O novo valor do piso nacional suscita grande debate mesmo antes de o novo Congresso ser inaugurado em 2 de fevereiro, com a eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado.

Abaixo reproduzimos opinião diferente da que é debatida pelo movimento sindical e também da nossa (DIAP) para enriquecer o debate. A discussão promete ganhar maior dimensão a partir de fevereiro, quando o Legislativo retoma seus trabalhos. Vale a pena ler, debater e contestar.

A armadilha do salário mínimo

Por Cristiano Romero*,
no Valor Econômico

A presidente Dilma Rousseff herdou do antecessor uma armadilha: a política de reajuste do salário mínimo (SM). Por essa política, o SM é corrigido pela inflação do ano anterior, acrescida da variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. A regra traz desafios tanto para o combate à inflação quanto para o equilíbrio das contas públicas nos próximos anos e, por isso, pode impor limites ao crescimento da economia brasileira.

Na recente aceleração inflacionária ocorrida no país, os preços dos serviços têm sido o item que mais pressiona o IPCA, depois de alimentação e bebidas. Em 2010, tiveram peso de 24% no índice e subiram 7,4%. Os serviços atrelados ao salário mínimo responderam, por sua vez, a quase 70% do aumento desses preços.

No lado fiscal, cada 1% de reajuste do SM gera impacto de R$ 1,4 bilhão no orçamento federal. Cada real adicional aumenta a despesa com previdência social, Loas/RMV, abono salarial e seguro-desemprego em R$ 286,4 milhões.

Como o governo anterior teve dificuldade para cumprir a meta de superávit fiscal primário em 2009 e 2010 – só o fez mediante malabarismos contábeis -, a nova gestão se comprometeu com uma meta cheia, sem artifícios.

A presidente Dilma pode sair bem-sucedida do embate político em torno do SM de 2011, mas não terá resolvido o problema a médio prazo. Se a regra de correção não mudar, o mínimo terá reajuste de cerca de 13,5% em janeiro de 2012.

É um percentual que, novamente, ajudará a inflar os preços dos serviços, dificultando a tarefa do Banco Central de acomodar a inflação, que chegou a 5,9% em 2010 e cujas expectativas para este e o próximo ano seguem se deteriorando. Isto, sem falar no impacto fiscal…

Aplicando-se a regra para o mandato inteiro de Dilma e considerando as projeções de PIB do Ministério da Fazenda, além das estimativas de inflação (INPC) do Boletim Focus, o SM deverá ter correção nominal de 44,2% entre 2011 e 2014, 19,8% em termos reais (ver gráfico). A questão a se avaliar é: faz sentido continuar corrigindo o mínimo nessa velocidade e intensidade?

Havia uma justificativa plausível para a recuperação do SM no período recente. Até o início do Plano Real, o mínimo pago no Brasil era, de fato, muito baixo – não se deve esquecer que 18,6 milhões de aposentados recebem um SM por mês do INSS. Hoje, equivale a quase US$ 320.

A regra de correção criada pelo governo anterior encerra, no entanto, vários problemas. Um deles é introduzir um indesejável mecanismo de indexação na economia, que dificulta a redução dos índices de preços abaixo de determinados níveis.

Outro é assegurar reajustes, acima da inflação, a uma parcela enorme da população que vive na inatividade – aumentos reais fazem mais sentido se concedidos a trabalhadores da ativa, como um estímulo à elevação da produtividade.

Se regra não mudar,
SM terá 44,2% na gestão Dilma

Há efeitos colaterais do SM dos quais poucos se fala. Por exemplo: nas regiões mais pobres do país, milhares de jovens deixam de estudar ou procurar emprego para viver às custas da aposentadoria dos pais; nas cidades, um seguro-desemprego polpudo (por causa do SM) estimula trabalhadores a mudar permanentemente de emprego, o que leva as empresas a investir pouco em capacitação profissional.

Especialistas sustentam que programas de transferência de renda são mais efetivos para combater a pobreza e a desigualdade do que o salário mínimo. O governo, portanto, deveria concentrar esforços em programas como o Bolsa Família – o impacto fiscal é muito menor e não precisa ser permanente, uma vez que é possível criar regras de saída.

Lula adotou a atual regra de correção do mínimo no fim de 2006, como uma retribuição ao apoio que as centrais sindicais lhe deram durante a crise do mensalão. Fez isso depois de desistir da reforma sindical, que defendera ardentemente no passado, e de estender a repartição do imposto sindical às centrais.

Realizou, dessa forma, uma proeza inédita na recente história política brasileira: a unificação do movimento sindical em torno do seu governo. Curiosamente, as centrais, que representam a elite dos trabalhadores, justamente aqueles que não ganham o mínimo, transformaram o SM na sua principal bandeira.

O desafio de Dilma é não só conter o reajuste deste ano, mas também encontrar uma forma de correção do SM que não ponha em risco a estabilidade econômica do país. O custo político é previsível, o que torna a tarefa assaz difícil.

(*) Editor-executivo do Valor, escreve às quartas-feiras no veículo

(Agência DIAP)