No Brasil, 16,8% dos professores da rede pública não têm formação suficiente para exercer a profissão e estão em situação irregular.

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) exige que os docentes do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio tenham formação superior, mas 208 mil professores dessas séries concluíram apenas o fundamental ou o médio.

Por estado, a pior situação é na Bahia, onde 50,8% dos 96,5 mil docentes dessas séries não completaram o ensino superior. Já São Paulo tem a melhor taxa nacional: 2,25% dos 238.667 professores dessa fase do ensino não terminaram a faculdade.

O levantamento, feito com base em dados do Inep (instituto ligado ao MEC) reunidos em 2009 e atualizados em janeiro deste ano, abarca o total de 1,2 milhão de professores que dão aulas nas séries em que há essa exigência.

O índice é praticamente o mesmo de 2007 (16%), quando se fez o primeiro levantamento nacional do tipo. Erivan Santos, 20, ilustra essa situação. Ele começou a dar aulas na rede pública aos 19 anos e atualmente ensina geografia numa escola particular de Acajutiba, na Bahia, enquanto está no segundo ano de pedagogia.

“Para dar aula de geografia, basta ter um bom entendimento do assunto e saber passar isso para os alunos. Não precisa de conhecimento aprofundado, não”, diz.

“Esses professores estão em situação irregular e terão de fazer uma licenciatura”, afirma a pesquisadora Ângela Soligo, da Faculdade de Educação da Unicamp.

O fundador da ONG Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos, diz que o percentual de docentes sem faculdade também descumpre metas do Plano de Educação Básica. “Parte desses professores vem de cidades menores, onde, em geral, só se estuda até o ensino médio”, afirma.

Outro lado
A secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar Almeida e Silva, admite que a situação dos professores sem formação suficiente “fere a lei” e pode comprometer a aprendizagem.
Segundo ela, estão em curso políticas articuladas com governos locais para sanar a questão.

“Nunca temos resultados rápidos em educação, mas as políticas atuais estão bem estruturadas”.

A diretora do Instituto Anísio Teixeira (que forma docentes na BA), Irene Cazorla, diz desconfiar que os dados estejam “superestimados”.

(Folha de S.Paulo, 19.02.11)

Análise: País não pode prescindir de professores, ilegais ou não

Por Hélio Schwartsman,
na Folha de S.Paulo, 19.02.11

Ilegais ou não, os professores sem titulação formam um contingente de 208 mil educadores dos quais o país não pode, por razões práticas, prescindir. Excluí-los do sistema resultaria em milhões de alunos sem aulas, especialmente nas áreas mais remotas e desassistidas.

Goste-se ou não, são essas as pessoas que, nas condições de trabalho hoje oferecidas, estão dispostas a dar aulas e é com elas que as escolas vão ter de se virar.

Podem-se criar as oportunidades para que esses profissionais consigam seus diplomas, através de cursos à distância e outras facilidades. Isso já foi feito em algumas redes e é provavelmente o melhor modo de conciliar as necessidades do mundo real com as exigências da lei.

A questão é que o diploma, às vezes, não passa de um pedaço de papel. É sempre bom reciclar velhos professores, mas é pouco provável que um curso, presencial ou não, transforme um mestre sofrível num gênio da didática.

O motivo principal de o legislador ter introduzido a titulação como requisito para dar aulas não foi oferecer oportunidades de professores estudarem um pouco mais, mas sim promover ganhos de qualidade para o sistema. O pressuposto, apenas parcialmente correto, é o de que diplomas são um bom jeito de aferir essa qualidade.

O diagnóstico geral, ao menos, parece correto. O que os estudos internacionais mostram é que a qualidade do professor é determinante para a qualidade da educação ministrada.
Nessa seara, apesar das boas intenções de políticos, burocratas e da torcida do Corinthians, o Brasil faz feio.

Um estudo de 2008 da Fundação Lemann mostrou que apenas 5% dos melhores alunos (os que ficaram entre os 20% mais bem colocados no Enem) cogitam trabalhar como docentes da educação básica. A maioria dos “top 20” pensa em virar médico (31%) ou engenheiro (18%).

O contraste com os países campeões da educação não poderia ser maior. Na Coreia do Sul, para atuar no magistério é necessário estar entre os 5% mais bem avaliados no exame nacional de ingresso no ensino superior. Na Finlândia, os professores vêm dos 10% melhores alunos.

Inverter essa situação exige não só recursos vultosos -é preciso oferecer salários atrativos para 2,5 milhões de professores- como uma mudança cultural que devolva à categoria o prestígio social de que já gozou. Não vai acontecer do dia para a noite.