O carnaval é, para muitos, um momento apoteótico, esperado durante o ano inteiro. Pulando atrás do trio elétrico ou descansando nas praias ou no campo, é preciso atenção com a saúde. Nesta época do ano, há muitas doenças à espreita, prontas para aproveitar a descontração que acompanha a folia. Todos os anos, centenas de pessoas são acometidas por males como viroses respiratórias, conjuntivites, hepatites e mononucleose — conhecida popularmente como a doença do beijo. As viroses respiratórias, geralmente, acometem os foliões nos primeiros dias pós-festa e chegam a ser tão tradicionais na folia quanto os blocos de rua. “Nesses casos, os sintomas costumam ser febre, diarreia, náuseas, tontura e sensação de fraqueza”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) no Distrito Federal, Dalcy Albuquerque Filho, infectologista.

A ocorrência dessas doenças (veja infografia) é fruto da combinação entre as costumeiras aglomerações, a brincadeira dos muitos beijos e a falta de descanso e de alimentação corretos durante a festa, que provoca a diminuição da imunidade do organismo. A maioria desses males é transmitida pelo contato entre as pessoas.

Segundo oftalmologistas, nesse período há um maior número de casos de conjuntivite, devido ao aumento do contato com diversas outras pessoas, muitas das quais previamente infectadas. Além disso, há o problema das altas temperaturas — os raios ultravioletas baixam a imunidade — e da falta de cuidado com a higiene das mãos. “As conjuntivites mais comuns são causadas pelas mãos sujas levadas aos olhos, o que ocorre com grande frequência durante a folia”, explica João Luís Pacini, oftamologista do Visão Institutos Oftalmológicos Associados.

Que o diga a estudante Júlia Ferraz Marcondes de Moura, 27 anos, que se recupera de uma conjuntivite contraída durante uma festa pré-carnavalesca de rua na semana passada. Segundo os médicos, a aglomeração e o contato muito próximo com as pessoas podem ter transmitido a doença. “Você esbarra em muita gente. Sem falar na sujeira que fica na mão. Aí fica fácil para o vírus. Ainda bem que foi no pré-carnaval e dá tempo de curar. Imagine se tivesse sido durante a folia?”, diz. A experiência passada pela estudante fez com que ela prestasse atenção aos problemas que podem surgir. Já que não há como fugir da aglomeração, Júlia resolveu tomar uma atitude simples. “Vou levar lenços umidecidos para limpar as mãos. Não resolve tudo, mas ajuda bastante.”

Segundo os médicos, a hepatite A também é outro mal comum transmitido pelo contato. No carnaval, umas das principais formas de contágio é compartilhar utensílios. “Se a pessoa estiver com o vírus, o indivíduo que beber no mesmo copo, por exemplo, pega”, diz o infectologista Albuquerque Filho. Outra forma pela qual a hepatite A pode ser transmitida é consumir alimentos e bebidas contaminados. Albuquerque Filho alerta que nas praias é comum haver comida contaminada pela falta de saneamento adequado. “Por isso, é importante saber se a procedência do que será consumido é segura.”

A sensação de liberdade típica do carnaval, associada ao consumo excessivo de álcool, também aumenta as chances de contrair hepatite B e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), dentre elas a Aids e o papilomavírus humano (HPV). Por isso, o uso do preservativo é imprescindível. No caso do HPV, porém, a camisinha não garante 100% de proteção, pois as lesões podem ser microscópicas. “Muitas vezes, as lesões são imperceptíveis ou ficam em locais nos quais o indivíduo não dá muita atenção, como o períneo”, esclarece o infectologista. Nesse caso, o ideal é diminuir o número de parceiros. “Manter poucos parceiros também é uma forma de prevenção”, destaca Albuquerque Filho.

Simples e arriscado
O surgimento de doenças relacionadas ao beijar, como mononucleose e herpes, não é nenhuma novidade. Na maioria das vezes, não há como ter certeza de que a pessoa que vai ser beijada tenha a doença, mas observar os pequenos detalhes é sempre bom. Feridas e vesículas (bolhas com líquido) são sintomas de algumas delas. É importante ressaltar que não é sempre que os sintomas aparecem, tornando mais difícil a identificação de problemas. O jeito é escolher quem vai beijar e ter bom senso.

Há dois anos, o servidor público Marcelo*, 30 anos, herdou do carnaval de Salvador uma herpes, oriunda, talvez, da falta de bom senso. “Me empolguei demais e terminei mal”, lembra. O servidor chegou à quarta-feira de cinzas com vesículas na bochecha, que lhe renderam pelo menos duas semanas de tratamento e uma aparência não exatamente agradável. “Parecia que eu tinha uma tarja preta no rosto. Um nojo”, conta.

Segundo Albuquerque Filho, a herpes não está, necessariamente, relacionada aos diversos beijos que Marcelo deu, mas também por compartilhar objetos. “O simples fato de dividir uma lata de cerveja com uma pessoa que esteja contaminada causa a herpes.” Durante a maratona momesca, é essencial que a pessoa tente descansar, consuma muito líquido e se alimente bem, sem se esquecer dos preservativos.

Vacinas
Outra forma de prevenção é manter a vacinação em dia. “Poucos sabem, mas há uma grande parte de doenças que podem ser prevenidas com vacinas”, esclarece Alexandre Cunha, infectologista do Laboratório Sabin. A hepatite A, por exemplo, pode ser evitada com o imunizante. Nesse caso, a pessoa precisa de duas doses, em um intervalo de seis meses. Outra vacina importante, principalmente para quem gosta de ir para o campo, é a da febre amarela. Ela deve ser tomada pelo menos 10 dias antes da viagem. “É o tempo que o organismo tem para desenvolver os anticorpos”, explica Cunha.

O presidente da Associação Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) no Distrito Federal, Dalcy Albuquerque Filho, destaca ainda o problema do tétano, que é de fácil contágio por meio de cortes. “A bactéria está por aí e ninguém está livre de acidentes. Por isso, todos devem estar com o calendário de vacinas atualizado.”

Hits do período
De tão comuns, as viroses já passaram a ganhar apelidos relacionados aos dias do reinado de Momo. Ano passado, por exemplo, houve um surto chamado de Rebolation, hit de sucesso do grupo Parangolé.

Tétano
A bactéria é encontrada no solo, em fezes de animais ou humanas que se depositam na areia, ou na terra sob uma forma resistente (esporos). A infecção se dá pela entrada de esporos por qualquer tipo de ferimento na pele contaminado com areia ou terra.

(Sílvia Pacheco, Correio Braziliense)