Se a oferta é grande, o melhor mesmo é desconfiar. Ao atender telefonema de um vendedor muito convincente, com respostas na ponta da língua, oferecendo viagens, assinaturas de revistas, premiações referentes a pontos no cartão de crédito e até empréstimo bancário, o consumidor deve acender o alerta e não divulgar nenhum dado pessoal. Antes de fornecer o número do cartão para ter acesso aos benefícios prometidos, é preciso certificar que o contato não está por trás de uma fraude. Somente no ano passado, os golpes que utilizam como ferramenta os cartões de crédito, movimentaram cerca de R$ 320 milhões no Brasil. As estimativas são do setor financeiro, que monitora o impacto das fraudes no segmento.

No país, os golpistas se tornam cada vez mais criativos, a ponto de deixar na dúvida até mesmo consumidores bem perspicazes. A modalidade que oferece troca de pontos acumulados no cartão de crédito por premiações é uma nova febre. Como o mercado de cartões é dominado por duas grandes bandeiras, ficou fácil, com um simples blefe, acertar os consumidores. Pelo telefone, é iniciada a venda de falsos serviços, que têm como alvo o número do cartão e CPF do consumidor. A principal dica é saber que bancos e operadoras de cartões de crédito não entram em contato com seus usuários, a menos que uma comunicação já esteja em curso, tendo sido iniciada pelo próprio cliente.

Preocupada com problemas de saúde na família, a dona de casa Ivone Cunha foi surpreendida pelo telefonema de uma suposta vendedora da Editora Globo. Geralmente, a dona de casa é bastante astuta, mas neste dia específico, acabou caindo na lábia da golpista, o que lhe rendeu dor de cabeça e preocupações. “Foi lançada uma cobrança no cartão de crédito da minha mãe, como se ela tivesse feito a assinatura de revistas”, conta a produtora de eventos Jaqueline Cunha, filha da dona de casa. Segundo Jaqueline, no telefonema, a suposta vendedora anunciava que a dona de casa tinha pontos acumulados no cartão Visa, que poderiam ser trocados por prêmios, desde que fossem feitas assinaturas, com valor superior a R$ 400.

A fraude foi rapidamente descoberta. O número deixado para contato com a “vendedora” era falso. Jaqueline também constatou que sua mãe não tinha programa de pontos no cartão, assim, o valor lançado na fatura foi estornado. “O que achamos estranho foi o vendedor ter conseguido lançar o débito no cartão de crédito.” Segundo informou a Editora Globo, ex-assinantes é que recebem telefonemas em casa. Em outros casos, o contato feito não é por parte da empresa. A editora não esclareceu, no entanto, o fato de o débito ter sido lançado na fatura da consumidora com a bandeira da empresa.

Apesar de ser casos de polícia, os golpes representam uma preocupação para as entidades de defesa dos consumidores. “No caso dos cartões de crédito, os clientes têm direito à restituição dos valores. Os bancos são responsáveis solidários”, aponta Lillian Salgado, advogada da Associação Nacional dos Consumidores de Crédito (Andec). Segundo ela, o consumidor não deve fornecer seus dados por telefone. Só devem divulgá-los a empresas de sua confiança. A advogada ressalta, ainda, que é dever das instituições zelar pelo cadastro de seus clientes, e que o hábito de ligar para a residência dos consumidores, oferecendo qualquer tipo de produto, é uma prática abusiva, prevista no Código de Defesa do Consumidor.

Sem acesso

A gerente de relações corporativas da Visa Brasil, Sabrina Sciama explica que a operadora não tem acesso ao banco de dados de seus usuários. “A fatura é enviada ao cliente pelo banco.” Segundo ela, o fato explica porque as operadoras não fazem contato com o consumidor. Ela reforça que a única forma de um portador de cartão de crédito receber telefonema da operadora é se ele tiver iniciado um contato prévio. E o que o sistema financeiro tem feito para proteger seus clientes? De acordo com a gerente da Visa Brasil, existe espaço reservado no site da operadora para dicas de segurança. A operadora também trabalha junto aos bancos, que têm áreas específicas para tratar fraudes. O lançamento dos cartões com chip também são uma tentativa para conter os golpistas.

Há cerca de seis meses o engenheiro Lúcio Fernandes recebeu em casa o telefonema de uma suposta funcionária de sua operadora de crédito. “De forma bem clara e convincente ela me alertava que aquele era o último dia para trocar meus pontos no cartão de crédito por eletrodomésticos. No momento de fornecer o número do cartão, fiquei receoso e desisti. Preferi perder a suposta troca”, conta. “Em muitos casos, estas pessoas não têm os dados dos clientes. Tentam um blefe”, alerta Sciama.

Facilidades devem levantar suspeitas

A aparente facilidade criada por empréstimos contratados por telefone também tem aberto brechas para golpes. Sem necessidade de avalista ou consulta ao SPC e Serasa, os estelionatários exigem apenas um depósito antecipado de parte do valor do empréstimo, em geral de cerca de 10%, para que o montante total seja liberado. “Onde já se viu uma pessoa que está precisando de dinheiro ter que fazer um depósito? Isso não existe”, afirma o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa.

A contratação desse serviço por telefone é totalmente desaconselhada pelas instituições de defesa do consumidor. “Esse tipo de negócio só deve ser realizado em instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central e pessoalmente”, afirma Barbosa. Na grande parte dos casos, a suposta financeira não informa CNPJ, telefones e endereço físico, dificultando qualquer contato posterior. “O que esses golpistas fazem é ligar de celulares pré-pagos, de difícil rastreamento. Eles informam contas de laranjas, que depois são encerradas”, explica Marcelo.

Outra prática comum tem sido o envio de mensagens em aparelhos celulares com o anúncio de que o dono daquela linha foi contemplado com um prêmio. Para resgatá-lo, normalmente é exigida a compra de cartões de recarga e o repasse dos números, ou mesmo depósito de uma determinada quantia.

O papel dos Procons tem sido o de orientação e prevenção. Caso seja configurado o golpe, entra em cena a Delegacia de Falsificações e Defraudações, uma vez que o caso passa a ser tratado como crime. “Nestas situações, a pessoa deve procurar a delegacia para lavrar o boletim de ocorrência. Fazemos o registro e a análise e, se for configurado golpe, é instaurado inquérito para apuração dos fatos”, explica o chefe do Departamento de Investigação de Crimes Contra o Patrimônio da Polícia Civil, Islande Batista. “Vamos então em busca dos golpistas e, caso ele seja identificado e haja elementos para acusação, podemos abrir representação judicial para prisão temporária”, acrescenta. Em média, 60% dos casos são apurados, e a pessoa é ressarcida dos prejuízos sofridos. “Mas os mais difíceis de identificação são os golpes por telefone”, pondera Batista.

Lista telefônica

Muito comum há cerca de três anos, o golpe da lista telefônica ainda assombra os comerciantes. Este ano, a gerente operacional de uma imobiliária, Raquel Hyllege Lima, recebeu uma ligação de uma atendente que se identificou como funcionária de uma empresa que presta serviço de lista telefônica. “Ela disse que precisava atualizar os cadastros da empresa e que tudo seria gratuito. Foi, então, enviado um fax, mas como sempre leio com cuidado, mesmo com a pressão dela para que eu apenas assinasse e enviasse de volta, percebi que estavam descritos alguns valores”, lembra. Foi aí que Raquel desconfiou da abordagem. “Dei uma desculpa qualquer e não assinei. Depois descobri que era golpe”, conta.

Caso tivesse assinado e remetido o fax, hoje a gerente operacional estaria na mira de cobranças, pois teria firmado um contrato com a empresa. “As pessoas são levadas a entender que é apenas uma atualização de dados cadastrais, mas estão, na verdade, contratando o serviço. É uma publicidade enganosa”, explica Marcelo Barbosa.

(Correio Braziliense)