No estudo entregue à Secretaria de Direito Econômico, a agência qualifica como “inaceitáveis” os valores cobrados na cidade pelo derivado do petróleo e do álcool reafirma a suspeita de formação de cartel. Na Asa Sul, posto de bandeira branca eleva para R$ 3,19 o litro

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) classifica como inaceitável o comportamento dos preços no mercado do Distrito Federal. Estudo elaborado a pedido do ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, revelou indícios de infrações contra a ordem econômica na capital do país, conforme o Correio divulgou na edição de ontem. Uma análise detalhada identificou cobrança de valores abusivos e suposta formação de cartel.

O órgão regulador estranha que estabelecimentos com estruturas de custos distintas cobrem preços tão semelhantes. Ontem, o litro da gasolina comum atingiu R$ 3,19 em um posto da Asa Sul (leia mais ao lado).

O estudo foi enviado à Secretaria de Direito Econômico (SDE), que investiga o mercado de combustíveis do DF desde novembro de 2009. A ANP informou que estuda a possibilidade de examinar a planilha de gastos dos revendedores. “Os indícios que nos chegam de Brasília são inaceitáveis”, disse, em nota, o presidente da agência, Haroldo Lima. “O consumidor não pode ser prejudicado. Com custos tão diferenciados em função das próprias localizações dos postos, é altamente suspeita a uniformidade de preços verificada”, completou. A nota ressalta que os postos apresentam diferenças em relação a preço de aluguel, tipo de equipamento e tamanho da folha de pessoal.

Lima destacou ainda que a crise de combustíveis pela qual passa o país não pode justificar reajustes acima da média. “A despeito do país estar passando por uma fase de desenvolvimento que impactou bastante na demanda de combustíveis, mesmo descontando os problemas advindos com a entressafra do etanol, nada justifica a escalada que está se verificando em algumas grandes cidades”, argumentou. O estudo concluído pela agência na última terça-feira também será entregue ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Concentração
Para o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor Paulo Roberto Binishecki, que analisará o documento, o problema em Brasília é a concentração do mercado. Somente a Rede Gasol, a maior delas, possui 91 postos, quase um terço do total. “Enquanto não houver diluição, fica complicado. Apesar de essa característica não ser considerada abusiva, ela acaba refletindo nos preços e prejudica a concorrência”, comentou. Segundo ele, a revogação da lei distrital que proíbe a instalação de postos em supermercados poderia amenizar a situação. O caso está nas mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello há dois anos.

O deputado federal Antônio Reguffe (PDT), autor da representação que provocou a SDE a abrir investigação em 2009, defende que o Poder Público precisa agir de maneira concreta. “A ANP só descobriu agora o que os brasilienses sabem há muito tempo. A população quer resultado prático”, comentou. O distrital Chico Vigilante (PT) também cobra consequências firmes a partir do novo estudo da agência reguladora. “Novidade seria dizer que não existe cartel. Não basta só constatar, tem que começar a punir. Falta ação”, acrescentou. Ontem, o Correio não conseguiu contato com o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e de Lubrificantes do DF (Sindicombustíveis-DF).

Tudo igual
A ANP analisou os preços cobrados entre janeiro de 2010 e março deste ano. Em duas semanas de março, 111 postos do DF — o equivalente a 63% do total pesquisado — vendiam o litro da gasolina pelo mesmo valor: R$ 2,94. Na revenda de etanol, a variação foi ainda menor, chegando a zero em algumas semanas.

Para empresários do setor, não há chances de redução do preço da gasolina
O problema de abastecimento nos postos de combustíveis, principalmente os que não têm vínculo com distribuidoras, faz o preço da gasolina atingir patamares nunca antes vistos no Distrito Federal. Um posto na Asa Sul amanheceu ontem cobrando R$ 3,19 pelo litro do derivado de petróleo e os funcionários não descartaram novos aumentos nos próximos dias. Apesar de oficialmente o setor reforçar que as falhas na entrega do produto são pontuais, a situação preocupa os empresários, que se dizem obrigados a repassar os aumentos para o consumidor.

A oferta reduzida e a demanda aquecida por combustíveis provocaram, em todo o país, a escassez do álcool anidro — misturado à gasolina na proporção de 25%. Sobrecarregadas, as distribuidoras precisaram estipular cotas para os postos e os valores cobrados por elas não param de subir desde a semana passada. Para manter a margem de lucro, revendedores estão reajustando as bombas. A situação é ainda mais delicada para os estabelecimentos de bandeira branca — 20% do mercado do DF. Como não têm contrato de fornecimento, não são prioridade no atendimento.

Pelo menos em cinco postos da capital do país, o litro da gasolina rompeu a barreira dos R$ 3. Na 107 Sul, onde o valor alcançou R$ 3,19, o movimento caiu drasticamente. “E pelo jeito o preço vai subir ainda mais”, adiantou o chefe de pista. Enquanto enchia o tanque do carro, o professor de educação física Guilherme Lima, 25 anos, levou um susto ao saber do novo valor. “Não é possível, eu não tinha visto”, disse ele, que antes dos recentes aumentos gastava em torno de R$ 400 por mês com combustível. “Agora, nem faço mais conta, para não ficar tão preocupado”, completou.

O gerente de um posto bandeira branca na 214 Norte, Rafael Santana, avisou que provavelmente terá de mexer na tabela esta semana. Por enquanto, a gasolina custa R$ 2,94, como na maioria dos estabelecimentos do DF. Segundo o gerente, em menos de 10 dias, o produto subiu R$ 0,15. “Não tem como segurar mais. Como eu pago meus funcionários?”, afirmou. Em um posto da bandeira Esso, em Sobradinho, o aumento para R$ 3,04 ou R$ 3,06, ocorrerá hoje ou amanhã. “Quando chegar o novo estoque, vamos subir”, adiantou o chefe de pista.

(Diego Amorim, Correio Braziliense)