Empresários ameaçam deixar o Distrito Federal caso o governo não encontre alternativa para manter os incentivos fiscais do Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável do DF (Pró-DF). Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais alguns dispositivos da Lei Distrital nº 2.483, de 1999, que criou a ação. A decisão cancela, por exemplo, o financiamento de 70% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), antes oferecido às empresas interessadas em se instalar na capital federal. Até o momento, GDF e participantes do programa têm muitas dúvidas sobre o real impacto da medida.

Na opinião do promotor Rubin Lemos, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), os benefícios foram concedidos à revelia do que determina a Constituição Federal e, por isso, são ilegais. O processo, segundo ele, teria de voltar à estaca zero e, com isso, a restituição da verba, pelas empresas, será imprescindível. “O Ministério Público também ingressou com ações contra o GDF. São ao menos 600 pedidos de ressarcimento. No DF, pagam-se apenas 30% de ICMS e isso não é acordo. Nem irmandade faz isso”, argumenta. Para ele, a decisão do Supremo reforça essas ações individuais, que devem seguir o mesmo caminho, e pode afetar inclusive outros programas de incentivo fiscal, como o destinado ao setor atacadista.

A Secretaria de Desenvolvimento Econômico garante que será mantido o Pró-DF II, a segunda etapa do programa, lançada em 2003, que tem uma proposta similar. Enquanto isso, a Secretaria de Fazenda foi convocada para auxiliar a pasta a reunir informações sobre o número de empresas que serão afetadas diretamente pela mudança e para determinar se há valores pendentes, além do montante total envolvido. Até 2003, 4.288 empresas foram incluídas no programa. Técnicos do governo tentam agora delimitar o alcance da decisão e esclarecer ainda se os empresários terão de arcar com os prejuízos ou se a regra passa a valer apenas para os novos participantes.

O ministro do STF Luiz Fux comentou ontem que se as empresas tiverem de arcar com o prejuízo, poderão ficar em situação financeira difícil. A ideia principal da sentença, reforçou o magistrado, é combater a chamada guerra fiscal. “Sem convênio entre os estados, não pode haver benesses a alguns”, disse. Segundo ele, a decisão fortalece o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e a Federação.

Além do DF, mais seis estados tiveram as leis revogadas pelo Supremo: Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Espírito Santo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Para os ministros, as normas consideradas inconstitucionais violavam os artigos 150 e 155 da Constituição, que permitem a concessão de benefícios somente em decisões consensuais entre os estados. Nos casos julgados, as isenções não contaram com o aval do Confaz.

Novo questionamento
Rodrigo Marinho, advogado tributarista da Porto Advogados, acredita que o Governo do Distrito Federal terá de toma ainda outra importante decisão: a manutenção do Pró-DF II, que também não passou pelo crivo do conselho. “O DF se aproveitou da guerra fiscal e causou insegurança jurídica”, avalia. Para ele, cobrar os tributos renunciados das empresas seria um erro.

Dono de uma loja atacadista localizada entre o Núcleo Bandeirante e Taguatinga, Adauto Mesquita acredita que o setor não sobreviverá sem auxílio do governo. “Estamos preocupados com o que vem pela frente. Minha empresa nasceu aqui, mas, se for o caso, vamos nos mudar para Goiás”, planeja. Na folha de pagamento, o empresário tem 408 funcionários. Para ele, o GDF deveria levar em conta a quantidade de empregos gerados pelo programa e encontrar uma alternativa para manter os incentivos.

O vice-governador do Distrito Federal, Tadeu Filippelli, afirmou que a decisão do STF preocupa, mas não é motivo para alarde. “Claro que ficamos apreensivos, mas ainda é cedo para avaliar o impacto. Pelas primeiras informações que temos, acredito que não seja algo tão grave”, disse na manhã de ontem, enquanto discursava para lideranças do setor produtivo na sede da Federação das Indústrias do DF (Fibra). Antes de lembrar que o problema não é exclusividade do DF, Filippelli tentou tranquilizar os empresários. “A princípio, os que possuem benefícios fiscais não perderão as vantagens.”

Colaborou Diego Abreu

Harmonização tributária
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), criado em 1975 pela Lei Complentar nº 24, é formado pelos secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação de cada estado e Distrito Federal e pelo Ministro da Fazenda. Trata-se de um órgão deliberativo, com a missão de garantir a harmonização tributária no país. As reuniões são realizadas trimestralmente.

Agenda legislativa da indústria
Empresários entregaram ontem a representantes da Câmara Legislativa e do Executivo a nona edição da Agenda Legislativa da Indústria do DF. O documento traz o posicionamento do setor sobre 20 projetos em tramitação relacionados a temas como economia, defesa do consumidor, desenvolvimento científico e tecnológico, tributação e política urbana, e meio ambiente. A mesma ação é realizada pelas federações de outros estados e nacionalmente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Presente à cerimônia, o presidente da Câmara deputado Patrício, disse que os parlamentares analisarão o documento e garantiu: “Nenhum desses projetos será aprovado sem serem discutidos com o setor produtivo”.

Benefícios fiscais
O Pró-DF nasceu em 1999 e, desde então, passou por diversas reformulações. Entre os benefícios vigentes estão o financiamento de até 70% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com juros reduzidos e 15 anos de carência; isenções referentes aos impostos sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Predial e Territorial Urbano (IPTU), com redução da base de cálculo de até 100%; concessão de terrenos com descontos de até 95% nos preços dos lotes fornecidos pela Terracap; além de linhas de crédito com juros mais baixos.

Este ano, logo no início do mandato, o governador Agnelo Queiroz (PT) suspendeu por 90 dias a concessão de lotes por meio do programa, alvo de constantes denúncias. A suspensão foi necessária para fazer um pente-fino nos contratos. O balanço, divulgado no mês passado, indicou que 181 dos 383 processos auditados desrespeitaram os trâmites necessários para obtenção dos benefícios.

Entidades mobilizadas
Representantes dos setores que temem sofrer o impacto da mudança, como o atacadista, começam a se armar contra possíveis decisões do Executivo. Um dos caminhos é tentar sensibilizar os ministros do Supremo Tribunal Federal para analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada pelo DF, que busca facilitar o trâmite de propostas no Confaz. A redução no número de empregos e possível aumento nos preços praticados no comércio também são argumentos usados para tentar convencer o governo.

O presidente Fibra, Antônio Rocha, avalia ser importante criar um novo modelo de incentivos fiscais para que a indústria local não perca competitividade. “Não podemos trazer os investidores para o DF e depois vê-los levar esse balde de água fria”. Em nota, a entidade destacou que vai “empenhar esforços” para encontrar uma solução rápida e garantir a permanência dos industriais.

O assessor jurídico do Sindicato do Comércio Atacadista do DF, Jacques Veloso, acredita que sem uma mudança nas regras do Confaz a guerra fiscal continuará prejudicando o DF. “As decisões precisam ser feitas sem a exigência de unanimidade. O que é feito hoje ofende a democracia.”

Enquanto isso, a agilidade do governo em lidar com a situação deixa apreensivo o Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista). O presidente da entidade, Antônio Augusto de Moraes, avalia que, sem a redução do ICMS, as distribuidoras também reformularão as tabelas e toda a cadeia produtiva ficará prejudicada. “Ainda há tempo de serem propostas medidas alternativas. Isso pode manter o nosso interesse em continuar aqui.” Sem uma decisão rápida, ele prevê danos em toda economia local. “Aumentar custos significa aumentar preços, vender menos e demitir funcionários”.

(Júlia Borba e Diego Amorim, Correio Braziliense)