A cardiologista Jaqueline Scholz Issa, uma das maiores autoridades brasileiras em tabagismo, desenvolveu um programa de tratamento de fumantes que pode reduzir as taxas de desistência e recaídas, além de estimular os médicos a tratar os pacientes com a metodologia adequada. Com o novo método, a taxa de sucesso, considerada após 52 semanas sem cigarro, chega a 55% em alguns grupos. O programa foi convertido em software, para que possa ser acessado via web por profissionais de todo o país.

O novo modelo de tratamento diagnostica com maior precisão o grau de dependência dos fumantes em relação à nicotina. Também derruba uma das principais premissas que orientam as abordagens atuais: a de que o grau de dependência está relacionado apenas com o número de cigarros consumidos diariamente.

“Existem pessoas que, mesmo fumando pouco, são muito dependentes do cigarro e têm grande dificuldade para deixar de fumar. Pelas técnicas tradicionais, elas não são consideradas dependentes e recebem um tratamento ineficaz. Com a proibição de fumar em locais fechados, muitos fumantes reduziram o consumo e, se não ficarmos atentos, poderemos ter resultados falseados”, alerta a médica.

No modelo desenvolvido pela especialista, denominado Programa de Assistência ao Fumante (PAF), o diagnóstico de dependência é feito com base no tipo de “recompensa” que o tabagista busca no vício: maior prazer, melhora do humor, aumento da concentração, entre outras.

“Essas sensações estão diretamente ligadas ao mecanismo de ação da nicotina no cérebro, que varia de um paciente para outro. São indicadores que sinaliza qual é o melhor tratamento para cada um e possibilitam uma abordagem individualizada e mais eficaz”, explica.

Outro diferencial do programa é levar em conta e quantificar a intensidade do desconforto causado pelos sintomas da abstinência, como irritabilidade, ansiedade, impaciência, falta de concentração e humor depressivo. A médica criou uma escala específica para aferir essas manifestações que, se não forem valorizadas no tratamento, podem levar o fumante a desistir.

O PAF também derruba outro mito frequente na abordagem ao fumante: o de que deixar de fumar depende principalmente de força de vontade. Hoje, sabe-se que apenas 5% dos que tentam abandonar o vício sozinho conseguem permanecer sem fumar após um ano e que o tabagismo requer tratamento médico especializado e acompanhamento intensivo do paciente.

O novo modelo de tratamento foi desenvolvido a partir da experiência com mais de 5 mil pacientes adquirida pela médica ao longo de 18 anos à frente do Ambulatório de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (Incor) de São Paulo. Desde que criou o programa, em 2008, vem utilizando e aperfeiçoando o PAF no Ambulatório do Incor e já conta com 1500 pacientes cadastrados.

Um trabalho com cerca de 400 dos pacientes apresentado à comunidade médica internacional em fevereiro, em Congresso no Canadá, mostrou que, com o uso da escala de desconforto para orientar o tratamento e a combinação mais adequada de medicamentos, a cardiologista conseguiu elevar para 55% a abstinência por um ano de um grupo de fumantes.

A cardiologista constatou também, por experiência própria, a dificuldade dos profissionais que trabalham com fumantes em abordar os pacientes e obter parâmetros para avaliar a eficácia da conduta adotada. Por isso, transformou a o PAF em software, cuja versão web pode ser acessada por médicos de todo o país. Além disso, a especialista tem treinado profissionais de vários estados na utilização da metodologia.
“Essa ferramenta pode orientar o médico a conduzir melhor a consulta e o tratamento, a elaborar as perguntas certas e interpretar os resultados. Com acesso a informações como numero de pacientes tratados, taxa de sucesso, avaliação de causas de recaída e eventos adversos, eles podem ajustar a conduta e alcançar melhores resultados. O PAF é um grande banco de dados que ajuda a aperfeiçoar tratamentos”, afirma a médica.

Dados sobre tabagismo

Tabagismo é a primeira causa evitável de morte, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008 revela que cerca de 25 milhões de pessoas acima de 15 anos fumam no Brasil (17% da população nessa faixa etária). Mais de 90% dos fumantes afirmam saber que o cigarro pode causar doenças graves e pouco mais da metade (52%) disse que pensava ou planejava parar de fumar.

(clicabrasilia.com.br)