Na Rodoviária do Plano Piloto, um grupo de sete homens aguarda na plataforma superior. À medida que pedestres passam pelo local em direção aos pontos de ônibus próximos ao Teatro Nacional, eles anunciam viagens para Asa Norte, Sobradinho e Planaltina. A cena se repete nas filas da plataforma inferior, no estacionamento do Conjunto Nacional e em paradas por todo o Distrito Federal. Os piratas trabalham sem medo porque sabem que a punição é branda. Multados com base no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), pagam R$ 85 e levam apenas quatro pontos na carteira. A lei distrital, mais rígida, que prevê multa entre R$ 2 mil e R$ 5mil e apreensão do veículo, antes aplicada pela Transporte Urbano do DF (DFTrans), pela Polícia Militar e pelo Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF), ficou a cargo apenas do DFTrans após o fim de um convênio entre os órgãos em abril último.

Com o término do contrato, a quantidade de autuações pela Lei Distrital nº 853, de 1995, caiu de 783 no primeiro semestre de 2010 para 75 nos primeiros seis meses de 2011. Isso porque a PM e o Detran passaram a multar de acordo com o CTB. A regra local também sofreu questionamentos jurídicos. Cerca de 50% dos casos julgados em 1ª instância pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) foram a favor dos piratas. Nesses casos, o juiz entendeu que a unidade da federação não pode criar uma legislação que substitua um código federal. Em 2ª instância, as duas turmas de magistrados estão divididas entre aqueles que são favoráveis à norma local e os contrários.

Enquanto isso, o transporte irregular de passageiros segue livremente nas ruas. A reportagem do Correio flagrou, na tarde de ontem, sete piratas que ofereciam viagens na plataforma superior da Rodoviária do Plano Piloto. O grupo não se intimidava sequer com as caminhonetes do Batalhão de Policiamento de Trânsito da PM (BPTran), que circulavam pelo local sem parar os carros dos infratores. Em poucos minutos, os motoristas reuniam passageiros e partiam com um dos veículos. Pouco depois, um segundo grupo já estava no local e o motorista encostava o automóvel para buscá-los. Os clandestinos se revezavam, levando e trazendo passageiros da Asa Norte, de Sobradinho e de Planaltina.

Poucas alternativas
Sebastião Guedes, morador de Arapoanga, que faz curso de vigilante no Plano Piloto diariamente há quase dois meses, assume que se arrisca “com frequência” a pegar carona nos carros que fazem o transporte ilegal de passageiros. Segundo ele, de ônibus, além da espera na parada e do excesso de usuários, a demora é de quase duas horas para ir de Planaltina ao Plano e outras duas para voltar para casa. “Além disso, muitas vezes, se eu não pegar o transporte pirata, não chego no meu curso, ou então me atraso. Mas reconheço que é perigoso. Quando (o transporte) é regularizado, sabemos que os motoristas são treinados e habilitados. No transporte pirata, isso não acontece”, ponderou.

A gerente Maria Alaíde de Sousa, 30 anos, moradora de Planaltina, concorda com Sebastião. Segundo ela, quando está muito cansada, acaba optando por voltar para casa com piratas. “É mais rápido. Ganho tempo. Eu penso no perigo que estou correndo, mas eles dão a agilidade que a gente queria no transporte público”, disse.

O chefe operacional do BPTran, major Sérgio Robalo, explica que a PM não parou de fiscalizar os veículos piratas e que ainda apoia as operações do DFTrans, ainda que a polícia só aplique multas segundo o Código de Trânsito Brasileiro. “Quando trabalhamos em conjunto, a PM faz a abordagem e eles multam. A multa do CTB, realmente, é bem mais branda. Acredito que deveria haver uma alteração no próprio código para tornar mais severa a punição contra quem faz transporte pirata. Uma estratégia que adotamos foi, além de punir como somos autorizados, fazer uma vistoria rigorosa e aplicar outras autuações se encontramos irregularidades”, explicou o major. Procurada, a assessoria de imprensa do Detran disse apenas que continua com as operações de combate ao transporte pirata.

Segundo o diretor operacional do DFTrans, Ricardo Leite, a PM e o Detran teriam parado de multar de acordo com a lei distrital por conta dos questionamentos judiciais, e não por conta do fim do convênio. “Na minha opinião, há uma confusão no judiciário do que seria trânsito e do que seria transporte. A lei se refere a uma fraude no sistema de transporte, enquanto o código trata de uma infração de trânsito”, afirma. “A brandura do CTB causa uma sensação de impunidade. O convênio será refeito em breve. Estamos prestando contas sobre os gastos com o que foi arrecadado com as multas”, disse.

(Luiz Calcagno, Correio Braziliense)