Os anúncios de recall no Brasil ganharam espaço nas páginas do jornais ao longo dos últimos anos. Não tinha como ser diferente. Uma estimativa do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) revela que o mesmo número de chamados para reparo ou substituição de peças e produtos vendidos no Brasil, em um mês, equivale ao que é feito em um ano pelos Estados Unidos ou pela Austrália. Somente de janeiro a junho, foram mais de 33 no país, entre lotes de carros, motos, secadores de cabelo e carrinhos de bebê. A quantidade ultrapassa 1,7 milhão de artigos.

José Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), identifica uma relação entre o aumento do público consumidor — ascensão da classe C — e a queda na qualidade dos produtos. “Estão tentando atender a nova demanda, intensificando a produção sem aumentar, nas mesmas proporções, a preocupação com a qualidade. Basta ver a enxurrada de produtos chineses que chegam até aqui, e todo mundo sabe que são mais baratos e piores. Hoje, existe recall de tudo”, critica.
Para Tardin, as empresas perderam o cuidado e os consumidores, por sua vez, não costumam levar o problema a sério. “Marcas famosas fazem três chamados por ano. Parece que elas não ligam se estão expondo a vida do consumidor ao risco. Também, se as pessoas estivessem preocupadas com isso, não haveria necessidade de criar uma lei para forçar o comparecimento nas fábricas”, completa. (leia Para saber mais).

Desconfiança
A moto que o bombeiro militar Luciano da Silva Frutuoso, 36 anos, comprou em 2010 está com os dias contados na garagem. Ele faz parte de um grupo de consumidores que teve de levar o veículo para troca de peças, após identificarem um defeito de fabricação. “Disseram que havia risco de acidentes, porque o problema fazia a moto morrer quando ficasse em baixa rotação, ao parar em um semáforo, por exemplo. Coincidentemente, a minha dor de cabeça começou apenas após o reparo”, lembra.

Além de desconfiar da revisão feita pela primeira vez, quando ele atendeu ao chamado, Luciano precisou voltar cinco vezes à oficina da loja autorizada antes de se ver livre das falhas de funcionamento. “Muitas pessoas me disseram que valia a pena trocar as peças por similares de outras marcas, mas eu insisti”, conta. Depois de resolver a situação, o bombeiro começou a pesquisar outras motos, modelos e marcas para comprar. “Hoje, ela está ótima, mas eu não sinto confiança na marca”, desabafa.
Apesar de o recall aborrecer o consumidor, a diretora do DPDC, Juliana Pereira da Silva, lembra que ele não pode ser visto de forma negativa. “Há uma obrigação jurídica por parte das empresas em prestar essa assistência. Assim que uma falha é encontrada, o pós-venda deve agir e convocar os consumidores para anular aquele risco.” Ela sustenta que o mais importante para uma empresa é o comprometimento com a saúde e segurança dos clientes. “Mesmo porque alertar a população não isenta a fábrica de ser responsabilizada por eventuais danos”, explica.

Reparo em veículos vai para o Renavam
Começou a valer em março uma lei que obriga as montadoras a informarem ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) todas as campanhas de recall que forem feitas, incluindo a lista com a numeração de chassi das unidades envolvidas. Montadoras e importadoras de veículos têm até 60 dias, após a comunicação da campanha de chamamento, para apresentar um relatório de atendimento, informando quais veículos foram atendidos no período. O Denatran passou a se encarregar pela atualização das informações no sistema de Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). Caso o recall não seja feito, no prazo de um ano, a omissão constará no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV).

Chip com defeito exige troca de passaportes
Há pouco mais de uma semana, a Polícia Federal fez recall de passaportes emitidos com defeito no chip. Cerca de 11,6 mil documentos traziam erros no conteúdo usado para identificação do cidadão brasileiro no momento do desembarque em outro país. Para corrigir a falha, as pessoas foram comunicadas por telefone ou e-mail e tiveram de voltar aos locais de emissão. O problema teve origem na transmissão eletrônica das informações na Casa da Moeda, que não repassou para o componente alguns sinais gráficos. O órgão, responsável pela confecção de cédulas e documentos oficiais vinculado ao Ministério da Fazenda, chegou a produzir mais de 11mil passaportes com falhas.

(Júlia Borba, Correio Braziliense)