Uma empresa de economia mista com ações em bolsa traz enormes responsabilidades fiduciárias ao Presidente, à Diretora Financeira e de Relações com Investidores e à Diretora de Conformidade, haja vista a extensão das prerrogativas estatutárias imputadas a cada uma das cadeiras.

Porém, a gestão da Eletrobras, têm adotado práticas que se aproximam do limite da irresponsabilidade. Tais práticas, analisadas pela Advocacia Garcez, foram em formalizadas pela AEEL e o CNE como denúncias (veja aqui o protocolo) ao TCU, ao CGU, as Casas Legislativas, a CVM, a SEC, bem como à sociedade brasileira. Destacamos as treze que serão apresentadas:

Denúncia 1 – Ato Lesivo aos organismos de controle (TCU) e as instâncias de governança da Eletrobras em função da decisão da Diretoria de não contratar estudos indispensáveis de valuation no âmbito do pregão eletrônico 9 e 10/2021.

A Diretoria da Eletrobras, num primeiro momento, ciente dos seus deveres fiduciários lançou os pregões 9 e 10 que continham, no Termo de Referência, as seguintes informações:

Dessa forma, dada a relevância dos valores desses ativos, e os efeitos da segregação patrimonial na precificação final da ELETROBRAS visando a capitalização, a Administração da Companhia entendeu como necessária ao processo decisório dos Administradores valer-se de serviços técnicos especializados de consultoria externa e independente, esperando somar esforços, conhecimento e expertise para realizar a adequada avaliação econômico-financeira da Eletronuclear e da Itaipu Binacional, em busca de trazer insumos importantes para suporte à tomada de decisão pelos órgãos estatutários de governança da COMPANHIA.

Porém, dada a voracidade e atropelo da capitalização da Eletrobras, a Diretoria Executiva, mesmo o pregão 09 tendo vencedor, não assinou os contratos. A Diretora de Conformidade, na audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, ao ser questionada, disse que “não se encaixa mais no cronograma” (veja aqui).

Como acionista minoritária, a AEEL entende que tanto os técnicos do TCU quanto os demais acionistas têm direito a receber estes documentos e que a decisão de não “assinar o contrato” faz com que o Presidente, a Diretora Financeira e a Diretora de Conformidade possam ser responsabilizados pela inobservância dos seus deveres fiduciários.

Estes estudos se tornaram ainda mais relevantes depois dos graves conflitos de interesses levantados sobre a escolha do Banco Genial, sem licitação, para fazer os cálculos pelo BNDES, considerando seu triplo papel: consultor com acesso a insider information, representante legal de acionistas preferencialistas e corretor de valores mobiliários que indicou papel da Eletrobras, após assinar os termos de confidencialidade.

Denúncia 2 – Ato Lesivo as melhores práticas de contratação de empresas controladas pela União e orientações do TCU (ex: caso SERPRO), haja vista a contratação por inexigibilidade do sindicato dos bancos e a contratação do BTG Pactual por inexigibilidade.

Contratar sem licitação para favorecer amigos com sobrepreços, falta de transparência de critérios, discricionariedade e conflito de interesse tem sido o modus operandi da Diretoria Executiva da Eletrobras e do BNDES neste processo.

No dia 19/11, a Eletrobras referendou a contratação do BTG e de outros bancos sem licitação, o que mostra o pouco zelo com a transparência, isonomia, publicidade, legalidade e outros valores que devem zelar a probidade na administração pública e a prudência de uma empresa com ações em bolsa.

Não foi novidade para os empregados uma segunda contratação do BTG Pactual sem licitação pela Eletrobras nos últimos anos. Em 2017, no site da Eletrobras, podemos conferir um curto extrato dos contratos assinados com terceiros. Temos então o extrato do contrato ECE 1224/2017 na gestão do presidente Wilson Ferreira, em que o BTG Pactual foi contratado por inexigibilidade (sem concorrência) para prestar serviços de consultoria especializada, no período de 26/05/2017 a 26/07/2018.

Os empregados da Eletrobras associam a contratação, a estruturação e valuation para alienação de dezenas de ativos de geração e transmissão de energia elétrica na modalidade Sociedade de Propósito Específico – SPE, que renderam mais de R$ 1,3 bilhões de reais em vendas. Cumpre destacar o grave conflito do BTG que é acionista representativo da ENEVA, grande concorrente da Eletrobras no setor elétrico brasileiro, além do fato de que a execução deste serviço típico de finanças corporativas tem centenas de empresas especializadas que atuam neste segmento que não tiveram a oportunidade de fazer suas propostas.

Denúncia 3 – Prevaricação da Diretora Financeira e da Diretora de Conformidade em permitir que o nome do ex-presidente Wilson Ferreira Junior fosse encaminhado na Proposta de Administração da AGO de 2021, mesmo ele sendo presidente da BR Distribuidora.

O banquete de amigos e o conflito de interesses fazem parte do dia a dia da Diretora Financeira e Diretora de Conformidade. Destacamos a prevaricação de ambas em permitir que o nome do ex-presidente Wilson Ferreira Junior fosse encaminhado na Proposta de Administração da Assembleia Geral Ordinária de 2021, mesmo ele sendo presidente da BR Distribuidora que detém ativos de energia elétrica (comercializadora), é concorrente da Eletrobras, tem sua estratégia corporativa direcionada ao setor elétrico, e, mesmo assim, este conflito foi propositadamente “empurrado para debaixo do tapete” para que ele pudesse ser protagonista no processo de capitalização.

A AEEL tem informações que já havia denúncias sobre o conflito de interesses deste duplo papel do ex-presidente Wilson desde janeiro de 2021 no Canal de Denúncia da empresa, gerido pela atual diretora de Conformidade.

Denúncia 4 – Ausência de segregação de função da Diretora de Conformidade que atua como agente dupla: diretora líder do projeto de capitalização e diretora que deveria avaliar a conformidade do processo.

Os empregados ficam perplexos com a ausência de segregação de função da Diretora de Conformidade que atua como agente dupla: diretora líder do projeto de capitalização e diretora de conformidade que deveria avaliar, com independência e distanciamento, os erros e omissões do projeto de capitalização que lidera.

Qualquer estagiário sabe que aquele que executa o processo não pode ser o mesmo a avalia ou que assegura a conformidade de um processo. Mas, surpreendentemente, quando questionada sobre o assunto, a referida diretora disse achar “exatamente o oposto”.  Então, segundo sua lógica, não haveria conflito na situação onde a Diretora de Conformidade deve verificar a conformidade do processo executado pela própria Diretora de Conformidade. Para verificar a conformidade de um processo é preciso submetê-lo à uma avaliação independente. Por isso, aquele que executa não pode ser aquele que assegura a conformidade do processo. Esse tipo de procedimento coloca todo processo sob suspeição.

Denúncia 5 – Conflito de interesse da Diretora Financeira da Eletrobras, por suas relações com a 3G Radar.

O grave conflito de interesse da Diretora Financeira da Eletrobras deveria ser investigado, haja vista suas relações históricas com a 3G Radar que subiu sua participação em ações preferenciais da empresa de 5 para 15% desde que a senhora Elvira Presta foi nomeada para o Conselho (o que é legal, pois o Estatuto é claro na eleição de representante dos minoritários) com sua posterior nomeação para Diretora Financeira da Eletrobras para tocar a capitalização. A AEEL tem em mãos a carta da 3G RADAR que deixou claro que a Sra. Elvira era sua indicada para a eleição de representante de minoritários ao CA.

Denúncia 6 – Drenagem de ativos físicos da companhia para maximizar a distribuição de dividendos

O TCU deveria investigar a estratégia dos diretores da Eletrobras e da Petrobras de “drenar ativos físicos da companhia para maximizar a distribuição de dividendos” através de programas de desinvestimentos, potencializando o retorno de acionistas residentes e não residentes no curto prazo (sobretudo grandes fundos de investimentos, fundos soberanos, fundos de previdência de porte global), e comprometendo os resultados de longo prazo.

A empresa demora anos para construir ativos que incrementam o seu resultado gradativamente, enquanto o desinvestimento potencializa o dividendo (capital improdutivo) no período subsequente.

O desinvestimento está intimamente associado a uma lógica de estacionaridade da infraestrutura elétrica com reflexos nos preços administrados (inflação galopante) potencializando a dinâmica dos componentes do IPCA relativos a gás de cozinha, combustível e energia elétrica.

Esta estratégia impacta a produção industrial, a geração de emprego, o custo de produção, os preços administrados, o orçamento das famílias e a competitividade do país.

Denúncia 7 – Pedalada Fiscal da decisão do Comitê Nacional de Política Energética – CNPE de exigir a antecipação de R$ 5 bilhões da Eletrobras na Conta de Desenvolvimento Energético – CDE no ano eleitoral de 2022.

Trata-se de grave pedalada Fiscal da decisão do CNPE de exigir a antecipação de R$ 5 bilhões da Eletrobras na CDE no ano eleitoral de 2022, tanto para represar o aumento tarifário em 2022 (a não decretação do racionamento e a falta de coragem do governo de estimular a redução do consumo faz com que uma bomba relógio nas tarifas dos brasileiros seja carregada nos próximos anos).

A ANEEL, conivente com este processo, prepara uma dívida da sociedade brasileira na sua conta de luz como se fosse um “crediário a juros de cartão de crédito”: o consumidor consome hoje a um preço exorbitante para ir pagando de forma agressiva nos anos subsequentes. O despacho de térmicas caríssimas com preços proibitivos onera muito mais a sociedade do que um racionamento feito de forma organizada, estruturada e planejada. O negacionismo dos militares e tecnocratas que comandam o setor elétrico e pastas importantes do governo drenam o orçamento das famílias em 2021, 2022 e anos subsequentes.

A descotização terá impacto inflacionário de grande magnitude, pois a própria ANEEL reconhece que os preços serão livremente administrados pela Eletrobras privada.

Denúncia 8 – Fundos Regionais associados à privatização da Eletrobras como forma de construir maiorias legislativas, burlar as leis orçamentárias, potencializar orçamentos secretos, fidelizar a base em votações relativas a agenda de privatizações a partir de distribuição de recursos advindos da privatização da Eletrobras pelos próximos dez anos.

Os Fundos Regionais seriam entregues a instituições sem governança adequada, vide o escândalo dos tratoraços da Codevasf. Serão bilhões ao longo de uma década que permitirão comprar o apoio político e amplificar alianças com prefeituras, governos estaduais e parlamentares.

Denúncia 9 – Renúncia de Receita da União uma vez que as usinas em cotas tinham contratos já assinados até 2042 (atos jurídicos perfeitos com prazos, valores, índices de correção já estabelecidos nos contratos).

O TCU deveria investigar a  renúncia de Receita da União uma vez que as usinas em cotas tinham contratos já assinados até 2042 (atos jurídicos perfeitos com prazos, valores, índices de correção já estabelecidos nos contratos), o que faz com que esta lei imponha a União uma gigantesca renúncia de receita em prol dos outros ordinaristas e preferencialistas a preço de banana, constituindo um ato lesivo ao erário, conforme iremos demonstrar com contas simples.

O mesmo raciocínio é válido para as UHEs Sobradinho e Itumbiara que tem relação com as legislações de fundos regionais. Os anexos mostram que calculando os anos restantes de cotas, aos preços e condições de 2020, tem-se a reprodução de uma receita anual de R$ 3,9 bilhões para até 2052, o que daria cerca de R$ 83,2 bilhões no período restante. Caso fosse utilizada uma premissa conservadora de aumento do preço de 5% a.a., o valor chegaria ao fim da concessão a R$ 230 bilhões.

Fazendo o mesmo cálculo para Itumbiara e Sobradinho (Fundos Regionais), aos preços e condições de 2020, tem-se a reprodução de uma receita anual de R$ 1,5 bilhão para até 2052, o que daria cerca de R$ 46,3 bilhões no período restante. Caso fosse utilizada uma premissa conservadora de aumento do preço de 5% a.a., o valor chegaria ao fim da concessão a R$ 198 bilhões.

Denúncia 10 – Atuação leviana, omissa e irresponsável da ANEEL no processo de capitalização de adotar duas posturas contraditórias e insustentáveis: ao SENADO, mostra sua subserviência ao MME ao validar os seus estudos e na AUDIÊNCIA PÚBLICA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO, coloca na minuta do contrato que os preços serão livremente negociados pela Eletrobras privatizada.

Não tem como garantir neutralidade tarifária afirmando que os sócios privados poderão exercer seu poder de mercado negociando pelo preço que quiserem com quem quiserem.

Além disso, o contrato de concessão permitirá a Eletrobras privada fazer novas desapropriações em volta dos reservatórios além de usurpar o papel público do Estado de transferir para um ente privado (Eletrobras privada) atribuições públicas relativas ao uso múltiplo das águas, Plano Diretor para o reservatório, Planos de Bacia Hidrográfica, Planos Regionais de Desenvolvimento, Planos Diretores e/ou Planos de uso e ocupação e dos solos municipais.

Denúncia 11 – Ato Lesivo do MME e da ANEEL junto as Casas Legislativas ao levar para apreciação do parlamento documentos oficiais que continham a afirmação de neutralidade tarifária da operação, sendo que o próprio MME maximizou substancialmente os valores das tarifas na reunião do CNPE.

O MME é adapto do negacionismo (como observamos em relação à crise hídrica) e a “fake news” ao indicar, em documentos oficiais enviados ao Senado, que a privatização da Eletrobras faria baratear a conta de luz das famílias brasileiras em quase 7%, quando na verdade, drenam o orçamento das famílias com preços exorbitantes e passivos tarifários para os próximos anos.

É clara a tentativa de ludibriar o Senado Federal, dado a inconsistência proposital das premissas do MME, chanceladas pela Aneel, em relação a neutralidade tarifária tanto para as famílias brasileiras do mercado cativo, quanto para os consumidores eletrointensivos no mercado livre.

Denúncia 12 – Falta de clareza sobre a dotação orçamentária da nova empresa estatal criada e os riscos da União com o “osso” (dependente do Tesouro), enquanto o “filé” dos ativos da Eletrobras “descotizados e na modalidade PIE” é privatizado.

Falta de clareza sobre a dotação orçamentária da nova empresa estatal criada e os riscos da União com o “osso” (dependente do Tesouro) enquanto o “filé” dos ativos da Eletrobras “descotizados e na modalidade PIE” é privatizado na bacia das almas, sem nem ao menos, o MME entregar um estudo de valuation as Casas Legislativas, o que mostra o apagão proposital de informações com o processo.

Denúncia 13 – Toma lá, dá cá: nomeação da esposa do deputado líder do governo ao Conselho de Itaipu logo após a tramitação da privatização na Câmara dos Deputados.

Além do orçamento secreto e promessas de neutralidade tarifária, ritos sumários da pandemia, sugerimos investigar o toma lá, dá cá de cargos, sobretudo a nomeação de esposa do deputado Ricardo Barros (líder do governo na Câmara dos Deputados durante a tramitação da privatização da Eletrobras) para o Conselho de Itaipu Binacional em 2021 (para ser colega do ministro Bento Albuquerque do MME e do presidente da Eletrobras, Rodrigo Limp), mesmo não entendendo nada de setor elétrico e tendo um currículo incompatível para a posição.

Por fim, pedimos:

  • Concluir o pregão eletrônico 09 e 10 que carecem de ser assinados, haja vista a justificativa da Eletrobras no edital publicado no DOU sobre a relevância deste material para a tomada de decisão tanto de acionistas quanto de técnicos do TCU,
  • Investigar as contratações por inexigibilidade do BTG Pactual pela Eletrobras (duas vezes nos últimos anos) e o banquete de amigos do Sindicato de Bancos da capitalização;
  • Investigar os conflitos de interesse que cercam as posições da Diretora Financeira e da Diretora de Conformidade na relação institucional com organismos de controle;
  • Analisar a pedalada fiscal da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE associada à capitalização (MME quer drenar R$ 5 bilhões do caixa da Eletrobras para que a empresa antecipe o aporte na CDE, 30 dias após a operação, o que é uma afronta a lei de responsabilidade fiscal e uso eleitoral para caixa de campanha do Governo Bolsonaro em 2022, além de auxiliar na bomba relógio das tarifas.
  • Analisar a dicotomia dos estudos tarifários da ANEEL e a minuta do contrato de concessão das usinas feito pela própria ANEEL, o que mostra a baixa credibilidade da agência e sua subserviência cega ao MME.
  • Analisar as operações envolvendo Eletronuclear, Itaipu, direitos dos acionistas ordinaristas e preferencialistas da Eletrobras sobre Eletronuclear e Itaipu e a dotação orçamentária da ENBPar.
  • Analisar as ilegalidades, inconstitucionalidades, pedaladas, crimes fiscais, atos lesivos ao erário, subprecificação de ativos, contratações direcionadas (banquete de amigos), riscos da descotização e riscos para as atuais e futuras gerações de brasileiros sem este importante instrumento de política energética que é a Eletrobras, controlada pela União.

Veja aqui a íntegra da nota da AEEL e CNE.