O plano para acabar com a falta de vagas na área central de Brasília e na Esplanada dos Ministérios, que inclui a construção de estacionamentos subterrâneos, ainda divide os brasilienses. Mas desperta o interesse de empresários da construção civil, que veem no negócio uma rentável oportunidade. As discussões preliminares são sobre as garagens no subsolo da Esplanada, porém motoristas defendem uma ampliação do projeto para que ele abranja locais onde a falta de vagas é crítica, como o Setor Comercial Sul.

O secretário de Governo, Paulo Tadeu, confirmou ontem ao Correio que os estudos de viabilidade serão feitos em vários pontos do Distrito Federal e que a ideia não é ficar restrito à Esplanada dos Ministérios. “Um levantamento técnico vai apontar as áreas caóticas no Plano Piloto, onde é possível resolver, por meio de parcerias com a iniciativa privada, o problema da escassez de estacionamentos. O governo quer resolver esse problema ainda neste mandato”, disse. Segundo o secretário, serão avaliados, por exemplo, locais como a Esplanada e os setores de Autarquias Sul e bancários Sul e Norte

Os termos da parceria público-privada (PPP) ainda não foram discutidos, mas a ideia é que empresas construam e explorem comercialmente essas vagas, sem ônus para o GDF. O empresário Élson Póvoa, integrante do Conselho da Federação das Indústrias de Brasília, diz que acompanha as discussões sobre o tema há mais de 10 anos. Ele lembra que os primeiros debates enfrentaram resistência entre entidades de defesa do tombamento de Brasília. “Mas, aos poucos, as pessoas perceberam que essa é uma medida essencial para garantir a preservação da cidade. Isso é indispensável, principalmente em termos arquitetônicos”, comenta. “Muitas empresas de Brasília teriam interesse em participar desses estudos, dependendo das condições dessa parceria público-privada.”

Para ele, o governo terá de oferecer garantias jurídicas para atrair a iniciativa privada. Póvoa alerta, entretanto, que podem haver empecilhos técnicos que tornarão a obra cara. “Uma das principais dificuldades será o remanejamento das redes de águas pluviais e de eletricidade. Nada disso inviabiliza o projeto, mas encarece bastante”, garante o empresário.

O presidente do Sindicato das Empresas da Construção Civil, Júlio César Peres, defende o projeto. Para ele, a medida será importante para “humanizar a cidade”, já que deixará espaço livre para pedestres. “Esse é um projeto antigo, que foi discutido durante vários governos. É essencial que isso seja feito o mais rápido possível”, defende o empresário. Para ele, será preciso discutir os termos da PPP. “Imagino que o projeto vai analisar as propostas de preço e do número de vagas ofertadas. E as empresas poderão cobrar pela hora de uso, o que vai funcionar como uma espécie de pedágio”, prevê.

Um dos pontos mais caóticos de Brasília, o Setor Comercial Sul depende de alternativas para atender à demanda diária por vagas. Para o motorista Francisco Eudo, 33 anos, um estacionamento subterrâneo seria uma boa solução. Ele trabalha há 11 anos no local e deixa a chave do veículo com os flanelinhas quando se atrasa. “A situação só piora, não vemos medidas para amenizar o problema. Moro em Ceilândia e tenho que sair de casa às 6h30 para chegar às 8h e achar uma vaga. O governo precisa tomar uma providência”, afirma.

O servidor público Giovani Sousa, 52 anos, é contrário à proposta de um estacionamento subterrâneo. Sousa avalia que o governo precisa pensar em medidas que não estimulem o uso de veículos. Para o servidor público, a solução dos problemas seria a construção de ciclovias. “As autoridades também precisam melhorar o transporte público. Os ônibus precisam ser mais pontuais, confortáveis e limpos. Os itinerários também precisam ser mais bem divulgados. Brasília não suporta mais carros”, analisou.

Fiscalização
O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran) não tem levantamento sobre a quantidade de vagas disponíveis em todo o DF, nem na área central da cidade. O órgão apenas demarca e fiscaliza as vagas existentes. O chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização de Trânsito, Elder Athan, diz que a tarefa do Detran é controlar os carros estacionados em locais proibidos. “Diariamente, fazemos operações, principalmente nas áreas centrais, para multar carros estacionados em locais irregulares”, explica.

Ele conta que em algumas regiões, como a Esplanada, é impossível o acesso até dos guinchos que deveriam rebocar os veículos parados em local inadequado. “Atrás de alguns ministérios, é tão grande a quantidade de carros parados em fila dupla que a gente não consegue nem entrar para rebocá-los. Nesses casos, aplicamos apenas a multa devida”, garante. As multas por estacionamento irregular variam de uma infração leve a grave — quando os carros param sobre as calçadas, atrapalhando os pedestres. Os valores variam entre R$ 53 e R$ 127.

Preservação
Brasília foi inscrita como Patrimônio Cultural Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1987. A capital federal tinha apenas 27 anos e os especialistas achavam que a cidade era muito nova para receber o título. A delegação brasileira alegou que o projeto do urbanista Lucio Costa era único e representava o movimento da arquitetura modernista. O argumento deu certo.

Motoristas reclamam
Enquanto o estacionamento subterrâneo na Esplanada dos Ministérios não vira uma realidade, o martírio diário de quem precisa de uma vaga continua. Para driblar as dificuldades, muitos brasilienses mudaram a rotina para chegar mais cedo ao trabalho.

O economista Renato Oliveira, 59 anos, vai à área central pelo menos duas vezes por semana, sempre antes das 9h. Ontem à tarde, ele levou o irmão até o Ministério do Trabalho e teve de esperá-lo no carro. “Quando venho à tarde, tenho que ficar rodando até achar um lugar”, disse

Diariamente, a farmacêutica Marcela Pontes, 27 anos, chega para trabalhar no Ministério da Saúde às 7h30 e para o carro sem dificuldades. Além de chegar cedo, Marcela evita almoçar fora para manter a vaga. Apesar das precauções, há transtornos. “Já fiquei presa porque estacionaram um carro na frente do meu e esperei 30 minutos. Tive que chamar a polícia para resolver esse problema”, relembrou.

(Helena Mader e Antonio Temóteo. Colaborou Ana Maria Campos. Correio Braziliense)