Ikaro Chaves, Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara

O engenheiro Ikaro Chaves, ex-membro do conselho de administração da Eletronorte, representando os trabalhadores, afirmou, nesta quinta-feira (8), em entrevista ao jornalista Cláudio Porto, do programa “Da Prática Política”, que o acordo que está sendo anunciado entre o governo e a Eletrobrás na questão da participação acionária da União na empresa, é altamente lesiva aos interesses do país.

“A própria Eletrobrás divulgou ao mercado os contornos do acordo. Se concretizado, ele vai significar uma grande derrota para o país e o sistema elétrico brasileiro. Tudo ficará ainda pior do que está hoje. A própria empresa disse aos seus acionistas que eles não têm com que se preocupar”, afirmou Ikaro.

O engenheiro disse ainda que os eletricitários não achavam o caminho do Supremo Tribunal Federal o melhor meio para se resolver a controvérsia sobre qual deveria ser o poder de voto do governo na Eletrobrás. No entanto, não foram contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) usada pelo Planalto. “Achávamos que poderia ajudar na luta pela reestatização da empresa”, disse.

“O STF não era o melhor caminho, porque ele deixou, por exemplo, que a Petrobrás fosse vendida aos pedaços e, com isso, refinarias foram vendidas como quem vende banana”, afirmou. “O STF já havia avalizado a privatização da Eletrobrás sem licitação. O próprio STF autorizou a privatização da Eletrobrás, contrariando entendimento dele mesmo”, destacou o engenheiro.

“Já dizíamos isso desde o início na campanha do presidente Lula, mas não fomos ouvidos. “Isso poderia até ser uma etapa intermediária na luta pela reestatização”, argumentou Ikaro, mas acabou neste acordo que não traz nada de bom para o país.

Ele acrescentou que “o Brasil precisa com urgência retomar o controle soberano do setor elétrico, porque, nenhum país do mundo abre mão desse controle”. “E também porque os donos da Eletrobrás estão destruindo a ex-estatal. Estão demitindo os melhores técnicos e acabando com a memória técnica da empresa”, alertou.

“Durante a campanha foi dito que o objetivo era recuperar a Eletrobrás como patrimônio do povo. Esse era um dos objetivos anunciados pelo governo. Isso está no programa de governo Lula”, acrescentou Ikaro, apontando que o desfecho com esse acordo, anunciado agora, mostra que “esse caminho escolhido pela equipe do Planalto não foi o melhor”.

Pelo acordo, que foi informado pela empresa aos seus acionistas, um novo Conselho de Administração seria formado pela empresa com 10 integrantes. O governo ficaria com 3 assentos, mas mantendo os 10% de votos na assembleia de acionistas. Em contrapartida, a Advocacia Geral da União (AGU) teria que retirar a ação do STF. Além disso, a Eletrobrás venderia sua participação na Termonuclear ao governo. Ou seja, ficaria tudo como está hoje no comando da Eletrobrás.

“O problema não é de cadeiras no conselho”, adverte Ikaro. “Quem determina o poder de uma empresa de Sociedade Anônima é a assembleia geral. Ela tem esse poder e o expressa no conselho de administração. Os conselheiros representam os acionistas. O governo terá 3 conselheiros mas não terá os votos correspondentes na assembleia geral”, observou o engenheiro. “Portanto, nas questões estratégicas da empresa, o governo perderá sempre de 7 a 3”, acrescentou.

Ele deu como exemplo em sentido contrário o que ocorreu na Enel italiana, que foi privatizada nos anos 90. “O governo italiano permanece com 23% das ações. Existe uma cláusula no estatuto da Enel que nenhum outro acionista pode ter mais de 3% dos votos. O governo italiano tem 23% dos votos. Com esses 23% dos votos, o governo manda na Enel”, apontou o especialista.

“Quando você tem votos substanciais, você pode fazer acordos de acionistas e obter maioria. Você pode construir uma maioria”, argumentou Ikaro. “Com 10% dos votos, o governo brasileiro não vai construir maioria nenhuma. As três cadeiras não vão servir para absolutamente nada, além de enriquecer algumas figuras”, prosseguiu.

“Ele até poderia construir essa maioria, se tivesse vontade política”, ponderou Ikaro. “O governo tem 43% das ações. Mesmo mantendo apenas 10% de votos, ele ainda é o maior acionista com poder de votos. O segundo é o Fundo Soberano de Singapura, com 3%. O governo poderia usar os fundos de pensão e tentar costurar uma maioria, mas não tem essa vontade política. Parece satisfeito com o modelo privatista do setor”, argumentou.

Por Hora do Povo  – Publicado em 11 de agosto de 2024