UM POVO QUE NÃO DECIFRA OS SINAIS DE SUA HISTÓRIA ESTÁ CONDENADO A REPETI-LA.

Ao longo da história de nossa nação brasileira, sempre tivemos presentes dois dilemas, um no âmbito interno e outro de influência mais externa.

Nosso povo foi forjado, em sua gênese, para servir a uma forma de colonialismo extrativista, e assim, forçado a servir outra nação. Situação bem diferente de como foi formado o povo norte americano, que começou com exilados europeus que desembarcaram com um objetivo mais nobre: construir uma nova vida, uma nova sociedade, uma verdadeira nação.

Consequentemente, nossa elite também nasceu subserviente a uma nação “superior”, a troco de viver à custa da massa, que era adestrada a aceitar o que era decidido por ela, sem a efetiva participação democrática. Tal como a forma em que foi declarada nossa independência, a proclamação da nossa República (por sinal, um golpe de estado na monarquia) foi decisão dessa elite, sem qualquer participação popular, com o intuito de garantir poder às oligarquias paulista e mineira – a “Política Café com Leite”.

Provavelmente, a resistência natural de alguns brasileiros em seguir regras, de sempre buscar dar um “jeitinho” de burlá-las, vem de um inconformismo a como a maioria delas foi feita. Dessa forma, acabam assumindo uma perversa e subliminar aliança, onde aceitam ser explorados e usurpados de sua cidadania, ao mesmo tempo em que se omitem de alguns de seus deveres e contribuições legais.

De certa maneira, essa natureza interna e externa de nossa nação, ou seja, plutocrática e subserviente a nações dominantes, existe até hoje, em maior ou menor grau, pois aquela elite se perpetuou e jamais deixou de participar do jogo do poder. É fato que, internamente, o poder econômico influencia nas eleições, compra parlamentares, coopta magistrados, elege presidentes, governadores e prefeitos, dita as regras do jogo. Como também é fato que, externamente, algumas nações atuam, tanto geopoliticamente quanto no patrocínio da nssa elite política, para manter ou ampliar vantagens comerciais.

Entretanto, nossa história registrou alguns períodos de tentativas de ruptura dessa lógica, algumas com certo êxito, tanto no perfil interno quanto no externo, quando houve uma pressão favorável da população.

Getúlio Vargas, ainda que por meio de um golpe de estado (a “Revolução de 1930”), provocou uma ruptura com a República Velha e reformulou o Estado Brasileiro. Equilibrando-se entre os interesses da velha oligarquia e as pressões populares, imprimiu, em 15 anos, uma modernização do país nos dois sentidos: internamente, garantiu mais direitos sociais, criou o salário mínimo, instituiu o voto secreto, o voto feminino, o ensino primário obrigatório, salvaguardas trabalhistas, como a CLT; externamente, impôs os interesses nacionais nas relações internacionais, dando forte impulso para a indústria brasileira e lançando bases para um país soberano, inclusive estabelecendo uma auditoria da nossa dívida externa, que se reduziu em 60%.

Com a substituição de uma estrutura partidária que representava interesses estaduais por uma estrutura de âmbito nacional, evidenciou-se a dicotomia entre o interesse de concentração de riquezas da elite e o interesse de distribuição de renda das camadas populares, além da dicotomia entre interesses nacionalistas e interesses atrelados às nações dominantes.

Os Estados Unidos, que ao fim da II Guerra Mundial passaram a ser centro geopolítico mundial, temendo maior protagonismo do Brasil, aproveitaram-se do desgaste e insatisfações internas em relação ao caudilho nacionalista, e apoiaram um iminente golpe de Estado, que acabou forçando sua renúncia em 1945. Estabeleceram-se novas relações simbióticas, agora entre os EUA e nossa elite, que tinha o intuito de obter apoio nas disputas eleitorais em troca da subordinação mercantil do país.

Mas, essa submissão, com o General Dutra na presidência, durou pouco. Vargas, com os grandes avanços sociais que havia implementado, teve apoio popular suficiente para, em 1950, ser eleito presidente do Brasil. Entretanto, embora tenha continuado sua política de fortalecimento do Estado nacional com forte apoio popular (como a manifestação nas ruas, “O petróleo é nosso”, na criação da Petrobras), continuou contrariando interesses poderosos, com algumas medidas como a regulamentação do capital estrangeiro, o início de uma reforma agrária e o aumento substancial do salário mínimo. Tais medidas eram taxadas de comunistas pela oposição (“esquecendo-se” que Vargas combatera o comunismo no Brasil), gerando protestos dos militares e forçando a deposição do ministro do trabalho, João Goulart.

Além disso, acusações de corrupção preparavam o clima para novo iminente golpe de Estado, que teve como gota d’água o desastroso atentado ao opositor Carlos Lacerda. Prevendo toda a armação daqueles que “se opunham aos próprios interesses nacionais” e “exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes”, Getúlio, com seu suicídio em 1954, entra vitorioso para a história: a comoção popular estancou o golpe e serviu para eleger seu sucessor, Juscelino Kubitschek, em 1955.

Mas, em 1960, com o jargão muito aceito de combater a corrupção (que realmente cresce na sombra de mandatos enfraquecidos pelo acirramento entre as forças que dividem a população), elege-se Jânio Quadros. Ele, que não era um varguista, tentou uma manobra para subjugar o Congresso Nacional, mas fracassa e renuncia com me-nos de um ano de mandato, abrindo espaço para uma tentativa de parlamentarismo, também frustrada.

João Goulart, vice-presidente empossado, tenta retomar a política nacional-desenvolvimentista, de autossuficiência e distribuição de renda (as “Reformas de Base”), mas, novamente sob a acusação de intenções comunistas, é deposto pelo golpe civil-militar de 1964. Um golpe ensaiado há muito tempo, desde a deposição de Vargas em 1945, mas também iminente em 1954. Alguns dos generais de 1964 atuaram pelo movimento Tenentista em 1945 e 1954, sempre assessorados pelo grande aliado anticomunista, os Estados Unidos.

Ao mesmo tempo em que se interrompe a experiência democrática, encerra-se o ciclo de crescente distribuição de renda e busca da autossuficiência. Começa um ciclo de subordinação aos interesses dos EUA e de concentração de renda. No começo, com a grande oferta de capital no mercado internacional, foi possível uma expansão do PIB nacional na década de 1970, o “milagre econômico”. Mas, logo em seguida, tivemos duas décadas perdidas, num período de recessão, alta inflação e desemprego. A corru-pção, também sempre presente nas ditaduras, era velada pelos meios de comunicação, por conivência, cooptação ou pela falta de liberdade de expressão.

A redemocratização, conduzida de forma “lenta, gradual e segura” ou seja, sem risco de nova chance a políticas de distribuição de renda veio em 1985. Por outro lado, acirraram-se as investidas na abertura irrestrita ao mercado externo, em detrimento das indústrias nacionais.

Novo ciclo semelhante à “Era Vargas” só volta a acontecer a partir de 2003. Lula, na tentativa de construir um pacto nacional semelhante ao Getulismo, equilibrando os interesses das elites com os das camadas mais baixas da população, soube preservar o alto lucro dos bancos e mega empresários ao mesmo tempo em que valorizou o salário mínimo, aqueceu o mercado interno, distribuiu renda com políticas sociais. Também abriu novos parceiros comerciais internacionais, desatrelando-se das amarras do mercado norte americano. Aproveitou a desvalorização do dólar para quitar a dívida externa e despachar o FMI. Evidentemente, contrariou diversos e poderosos interesses.

Para manter esse equilíbrio com o Congresso, o governo petista adotou o pragmatismo político, fechando os olhos para as práticas existentes na sombra da máquina política e nas relações com o empresariado. Entrou no jogo do poder, aliviando sua consciência com a alegação de que “os fins justificam os meios”.

Fato é que o número de pessoas nas classes D e E diminuiu e o da classe C se expandiu. Mas, novas necessidades foram geradas e a economia precisava continuar crescendo para satisfazê-las. Políticas de ampliação do crédito surtiram efeito, mas não por longo prazo, pois aumentou o endividamento da população.

Faltou coragem para defender uma auditoria da dívida pública, a exemplo da auditoria da dívida externa que fizera Vargas.

A ideia de trazer a Copa do Mundo para o Brasil teria sido para manter a economia aquecida. Entretanto, a dispensa de licitação para tais obras faraônicas no governo Dilma ascendeu um movimento espontâneo e multifacetado de afirmação da cidadania, as “Jornadas de Junho de 2013”, traduzindo um sentimento coletivo de indignação, pois ainda precisávamos de tantas outras coisas. Não foi um movimento contra o governo, embora alguns quisessem transformá-lo nisso, mas um movimento reivindicatório de mais direitos e serviços. Paradoxalmente, foi o começo da queda da alta popularidade de Dilma, que empunhava justamente a bandeira da distribuição de renda e da ampliação de direitos sociais.

Mas, não era suficiente para ameaçar sua reeleição, pois o mote era por mais direitos. Os detentores do poder econômico, tendo o controle da grande mídia, apostaram numa manobra arriscada: abrir seletivamente e cirurgicamente o jogo de corrupção, imputando aos governos de Lula e Dilma toda a responsabilidade pelas denúncias que eram apresentadas. Paralelamente, divulgaram nas redes sociais algo que não seria cabível na grande mídia, por ser uma grande manipulação dos fatos, mas muito aceitável individualmente para muitas pesso-as: uma suposta natureza comunista do plano de governo do PT, que estaria atrelado à “Revolução Bolivariana” da Venezuela, apresentando vídeos da esquerda brasileira de quando ela ainda se organizava com as esquerdas latino-americanas para tentar vencer a onda anterior de governos neo-liberais.

A exploração desses dois fatores, corrupção e comunismo, algo similar ao que fizeram com Vargas, Juscelino e Goulart, aglutinou várias manifestações de oposição nas ruas.

O resultado todos nós conhecemos. Eleita com 51,6%, na tentativa de se equilibrar no poder em um país dividido ao meio, Dilma assumiu o segundo mandato fazendo con-cessões ainda maiores às elites empresariais, ameaçando com nova reforma da previdência e uma revisão das leis trabalhistas. Com essa guinada, perdeu sustentação popular, encorajando aquela estratégia de vazamentos seletivos e cirúrgicos das delações da “Opera-ção Lava-Jato”, o que culminou na sua deposição por impedimento.

Um povo que não é capaz de decifrar os sinais da sua história está condenado a repeti-la. Numa nação em que parte do povo ainda conserva um complexo de colônia, que aceita a sina de ser explorado desde que possa burlar certas regras, que teme perder o pouco que tem se as classes mais baixas subirem, que acredita que a corrupção é proporcional às manchetes dos jornais, que elege políticos pelas suas promessas e não pelos seus compromissos, onde o individualismo supera o coletivismo… está fadado a ficar preso num ciclo eterno, com avanços seguidos de retrocessos, onde se aceita como natural que a alternância de um presidente da República possa significar o abandono irresponsável de tudo o que se construiu anteriormente, como se fosse simples recomeçar do zero.

E agora? Estamos num ponto crucial de nossa história. Outro ciclo se completou. Qual será o próximo passo de nossa nação? Vamos aceitar a destruição do que foi con-quistado no passado? Vamos retroceder? Vamos aceitar a redução de direitos trabalhistas, o aumento da jornada de trabalho, a redução dos direitos previdenciários, o aumento do tempo de contribuição?

Nem a ditadura militar ousou ceder tanto à sanha insaciável do mercado.

Em qual quadrante você se encontra? Acredita na necessidade de distribuição de renda ou que é preciso flexibilizar direitos para salvar as empresas e os empregos? Acredita na política econômica onde o Estado deve intervir no mercado nacional para salvaguardar um crescimento equilibrado do país ou na política de Estado mínimo e mercado totalmente aberto, que se auto-regula e deixa de lado o que não garante bons lucros? Ou ainda: acredita que a Democracia vale a pena, ou espera um ditador salvador da pátria?

Dia 28 de abril espera sua resposta.