Como é do conhecimento da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do Sistema Eletrobras, desde 2003, quando a Eletrobras e suas empresas retomaram seus investimentos no setor elétrico, o formato preferencial tem sido por ativos que apresentam baixos retornos ou em Sociedades de Propósito Específico – SPE’s, em consonância com o modelo setorial vigente, que busca garantir modicidade tarifária para os consumidores.

No primeiro caso, a presença da Eletrobras se justifica pela necessidade dos investimentos para o atendimento à sociedade e pela baixa atratividade deles para as empresas privadas.

No caso das SPE’s, a participação das empresas Eletrobras, mesmo que de forma minoritária, serve para a viabilização do empreendimento, além do suporte à lucratividade dos agentes privados em empreendimentos arriscados.

É notório e inquestionável que a partir de 2003, a expansão da Eletrobras, seja do seu parque de Geração ou de Transmissão, se deu, fundamentalmente, através das SPE’s. Colocando em números: nos últimos 14 anos as empresas Eletrobras já inauguram 75 projetos de SPE’s, que juntos somam mais de 15.000 MW de capacidade instalada em usinas e mais de 13.000 km de linhas de transmissão. Existem ainda mais de 100 projetos de SPE’s em andamento, com previsão de operação nos próximos 5 anos.

A Virada e o Interesse Econômico

É no período da construção dos empreendimentos que se concentram os pesados riscos associados aos projetos das SPE’s. Não é novidade para ninguém das empresas Eletrobras as dificuldades e riscos que envolvem o início e a conclusão de um empreendimento, principalmente quando se trata de uma SPE.

Os riscos são os mais variados e impactantes. Os principais são: riscos financeiros, vinculado a financiamentos; riscos de licenciamento – ambiental e de operação; riscos de engenharia, que podem representar surpresas onerosas ao negócio, e os riscos de paralisação da obra, que podem ocorrem por diversos motivos, incluindo disputas judiciais intermináveis. Os atrasos no cumprimento dos prazos contratuais, face à complexidade da maioria das obras do setor elétrico, obrigam os empreendedores a recorrerem ao mercado livre para comprar energia a um custo elevado e fornecer a um preço menor, estabelecido no contrato de concessão, gerando assim prejuízos significativos ao negócio e necessidade de aportes nas SPE’s.

Muitas SPE’s, principalmente as que já estão em operação, têm despertado o interesse do Setor Privado, conforme tem divulgado em repetidas matérias nos jornais O Globo e Valor. Isso porque muitas delas já não se defrontam mais com os riscos citados acima. Além disso, o período de investimento mais pesado de muitas delas já passou, o que significa que passaram do período de desembolso para o período de geração de caixa.

A Eletrobras, em seu Relatório de Administração de 2016, informou ao mercado que somente entre 2012 e 2016 foram investidos mais de R$ 21,1 bilhões nas SPE’s. No ano de 2016, o investimento total da empresa foi de R$ 8,7 bilhões e cerca da metade deste montante, R$ 4,4 bilhões, foi realizado através de SPE’s. Para 2017 a previsão de investimentos é da ordem de R$ 2,5 bilhões e até 2021 será de R$ 6,9 bilhões em SPE’s (Relatório de Administração, 2016, p. 6 a 11 ).

A conjuntura surgida da ilegítima tomada de poder formou o quadro atual de ameaça real de entrega do patrimônio público. A Eletrobras, através do seu Presidente, Wilson Ferreira Pinto Junior, já anunciou que planeja se desfazer de todos esses ativos muito rapidamente, ainda este ano, e já está recebendo e analisando as propostas do setor privado. Isso é entrega de patrimônio público a preço de banana e sem nenhum risco associado.

O setor privado, na hora de empreender, correr riscos, enfrentar paralisações em canteiros de obras, amargar prejuízos por atrasos e aumentar suas dívidas por contas do empreendimento, não aparece! Aparece na hora que o empreendimento está pronto e saneado, aparece quando há um ambiente econômico desfavorável e com possibilidade de comprar os ativos na bacia das almas e ganhar bastante dinheiro.

Perguntas: Se as SPE’s são um mau negócio para as empresas Eletrobras por que seriam um bom negócio para o setor privado? O que há por trás destas vendas aceleradas desejadas pelo Presidente da Eletrobras? O esforço das empresas Eletrobras e seu corpo técnico nas SPE’s não valeu nada? O papel da Eletrobras é de ser uma empresa viabilizadora de negócios para o setor privado em detrimento do seu papel empresarial? Se as SPE’s são tão ruins, por que o interesse do setor privado nelas? As empresas privadas comprariam empresas deficitárias sem perspectiva de lucro?

Hoje, considerando todas as concessões da Eletrobras, o quadro é o seguinte: Furnas possui 76 SPE’s, Chesf, 55, Eletrosul, 41 e Eletronorte 18. Entre as principais SPE’s estão Belo Monte, Santo Antonio, Jirau, Teles Pires e muitos parques Eólicos.

O retrocesso em marcha

A corrida para venda indiscriminada dessas SPE’s representa um grande retrocesso para a Eletrobras, sejam as SPE’s saudáveis, onde a venda representaria abrir mão de um ativo gerador de caixa, sejam as com problemas financeiros, onde a venda representaria a imposição à Eletrobras do acolhimento de todo o prejuízo do projeto para que este se torne rentável para o setor privado. Nesse caso extingui-se a possibilidade de recuperação desse investimento para a Eletrobras, imputando a empresa todo o prejuízo e entregando um ativo limpo e sem risco para o setor privado.

Além disso, a venda das SPE’s representará uma grande perda do posicionamento de mercado conquistado nesse período (market share). As participações em SPE’s representam em torno de 15% da capacidade instalada e 10% das linhas de transmissão da Eletrobras. Nos últimos três anos a capacidade instalada das SPE’s passou de 2.891 MW em 2014 para 6.734 MW em 2016, crescimento de mais de 200%, enquanto que a capacidade instalada dos empreendimentos corporativos reduziu 2,8%, passando de 41.265 MW em 2014 para 40.122 MW em 2016 (Relatório de Administração, 2016, p. 51).

Esse retrocesso põe em risco, inclusive, todo o crescimento das empresas do Sistema Eletrobras e da holding nos últimos 14 anos, cuja estrutura foi pensada para dar suporte para gestão desse grande número de projetos. Há hoje, na Holding e nas empresas Eletrobras, toda uma estrutura em torno das SPE’s, que envolve desde o pessoal de finanças e contabilidade ao pessoal de projetos, de engenharia e de governança corporativa.

A venda das participações nas SPE’s, portanto, terá como efeito colateral a redução da participação da Eletrobras no mercado energético brasileiro, a perda de um posicionamento estratégico da empresa e a perda de Soberania Nacional. Também levará a necessidade do redimensionamento das empresas Eletrobras, na medida em que grande parte da estrutura montada para gestão das SPE’s fi cará ociosa e, por isso, é muito provável que a venda das SPE’s seja usada como justificativa para a dispensa de mais trabalhadores e trabalhadores na reestruturação da empresa.

Esse projeto de reestruturação da Eletrobras, da forma desastrosa como tem sido colocado, nada mais é do que a volta do projeto de desmonte da empresa, conforme ocorreu no governo Fernando Collor de Mello, que ganhou força no período de Fernando Henrique Cardoso, cujas consequências os trabalhadores e trabalhadoras da Empresa e a população brasileira já sabe quais são.

Na verdade, qualquer empresa bem administrada tem vida longa e vender não é a saída, pois, muitas dessas empresas podem render bem mais aos cofres públicos se forem melhor administradas do que se oferecidas e vendidas por valor abaixo do investido. Há quem afirme que elas serão repassadas aos “amigos” dos Entes ou das Associações Privadas.


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