Especialista afirma que unidades da rede pública de saúde do DF não estão preparadas para conter a disseminação da superbactéria

Nos corredores de qualquer hospital público ou particular do Distrito Federal, o assunto é o mesmo: o medo da superbactéria. A preocupação de servidores e pacientes aliada à desinformação faz com que o pânico se dissemine mais rápido do que o próprio micro-organismo. Há uma certa razão para tanto, pois 15 brasilienses morreram desde janeiro por conta da Klebsiella pneumoniae Carbapenemase (KPC). No mais recente balanço da Secretaria de Saúde, divulgado sexta-feira, houve um crescimento de 21% no número de infecções, em comparação com a semana anterior. Agora são 135 pessoas contaminadas.

A médica infectologista Maria de Lourdes Ferreira Lopes conhece de perto essa realidade. Ela trabalha na rede pública e também presta atendimento em três hospitais privados do DF. Para ela, é preciso haver mobilização e investimentos para controlar a superbactéria e para evitar mais infecções. A infectologista atribui o agravamento do problema à escassez de recursos e materiais nos hospitais públicos. “O Distrito Federal tem tantos casos (de KPC) por causa da falta de estrutura da rede pública. Faltam insumos básicos para impedir a transmissão, como álcool, capotes, luvas, aventais e até hipoclorito para limpar o chão”, denuncia.

No entanto, a especialista é otimista quanto à possibilidade de controle. Maria de Lourdes destaca que até nos hospitais do SUS há experiências bem-sucedidas para coibir a disseminação da KPC. “Onde há condições estruturais e uma cultura de segurança no ambiente hospitalar, com envolvimento dos gestores e disponibilidade de insumos, você tem possibilidade de controle da superbactéria”, destaca.

Existe motivo para tanta preocupação com a KPC?
De fato, existe uma mobilização muito grande. Outro dia, estava em um cartório e me surpreendi com pessoas falando sobre KPC, isolamento e formas de contato. Essa não é uma bactéria nova, faz parte da família das enterobactérias, que estão no nosso trato intestinal, no solo, nos alimentos. O problema é que elas vêm desenvolvendo diversos mecanismos de resistência ao longo do tempo. Ela dribla nosso mecanismo de resistência, vem um novo antibiótico, ela dribla de novo e assim por diante.

Quais são as opções disponíveis para tratar as infecções pela KPC?
Nas últimas duas décadas, houve uma queda dos investimentos na indústria farmacêutica e uma redução de mais de 50% do número de novos produtos que chegam ao mercado. Como a bactéria cria resistência, o tempo do medicamento no mercado é muito pequeno. A indústria prefere trabalhar mais com outras drogas, como anti-inflamatórios e quimioterápicos. Porque é muito caro para colocar um medicamento no mercado, especialmente para combater uma bactéria com resistência sucessiva. Hoje, só podemos usar três drogas, uma delas, lançada recentemente, a tigeciclina, destinada a tratar infecções de abdômen e pele, por exemplo. Diante do aparecimento da KPC, tiramos da gaveta outras drogas que estavam praticamente aposentadas, que são a polimixina e a amicacina. Mas a polimixina, por exemplo, tem efeitos colaterais importantes e é de uso limitado a alguns lugares do corpo. Temos que tratar pacientes com sinais clínicos de infecção com duas e até três drogas ao mesmo tempo, tentando complementar a ação uma da outra.

Quais as chances de sucesso do tratamento?
Infelizmente, a resposta dos pacientes é muito ruim e a mortalidade dos que desenvolvem infecção é de mais de 70%. A resistência ocorre mais dentro dos hospitais porque lá o uso de antibióticos é maior e é onde há pacientes com imunidade mais baixa, com doenças crônicas. Também há pacientes com procedimentos invasivos, como sondas, cateter, drenos, que representam portas de entrada para as bactérias resistentes. Quando o paciente entra no hospital, entra em contato com a flora do ambiente hospitalar. Isso é o que se chama de colonização. Se essas bactérias estão naquele hospital em grande quantidade, teremos um maior número de pacientes colonizados. Estamos, então, com mecanismos de controle interno muito mais refinados para detectar os pacientes já colonizados. Todos os pacientes que vêm de outros hospitais ganham cultura de vigilância e ficam em isolamento. Se der negativo, ele sai do isolamento. Toda semana de internação, ele ganha uma nova cultura de vigilância. Porque para cada infectado, temos 15 colonizados. É um iceberg.

É possível controlar a disseminação nos hospitais?
Temos mecanismos de controle, isso depende apenas de infraestrutura e insumos. É preciso haver recursos laboratoriais, culturas em quantidade suficiente, placas, tem que realizar isso 100% das vezes. Onde você tem maior nível de organização, tem detecção precoce. Mas não temos no Distrito Federal laboratórios para fazer diagnósticos confirmatórios. Quem faz isso é a Fiocruz, o Instituto Adolfo Lutz ou laboratórios privados, que cobram caro.

E como está a estrutura da rede hospitalar do DF para controlar a superbactéria?
Hoje (ontem) de manhã, por exemplo, não tínhamos placa para cultivar (guardar para análise) KPC na rede pública. O disco de antibiótico para fazer testes acabou. O DF tem tantos casos (de KPC) por causa da falta de estrutura da rede pública. Faltam insumos básicos para impedir a transmissão, como álcool, capotes, luvas, aventais e até hipoclorito para limpar o chão

O que tem que ser feito para eliminar a superbactéria ou pelo menos controlá-la?
São duas as linhas de controle do surto. Temos que usar corretamente os antibióticos e controlar a transmissão entre os pacientes. Temos que ter antibióticos disponíveis para tratar os doentes, recursos para diagnóstico das infecções e especialistas para cuidar e discutir os casos. Brasília tem características que são complicadores. Muitos pacientes circulam entre a rede privada e a rede pública, indo de um hospital a outro, por causa da falta de leitos. Onde há condições estruturais e uma cultura de segurança no ambiente hospitalar, com envolvimento dos gestores e disponibilidade de insumos, você tem possibilidade de controle da superbactéria

Quais pacientes estão mais expostos à infecção pela KPC?
Os locais mais afetados são as UTIs, os centros que fazem cirurgia de grande porte, como os setores de neurocirurgia e de cirurgia cardíaca e a onco-hematologia, que normalmente tem pacientes com imunidade baixa.

(Fonte: Helena Mader, Correio Braziliense)