Escaldada pelo caso Erenice Guerra e com a certeza de que não pode errar na largada, a presidente eleita, Dilma Rousseff, vai passar um verdadeiro pente-fino nos currículos e no passado de todos os indicados para compor o primeiro escalão do governo. Dilma não quer o desgaste de ver um nome, avalizado por um partido, terminar recusado em função de problemas na Justiça. Ela já repassou essa ideia a alguns aliados e fez chegar a todos o ritmo que pretende empreender nesses 57 dias antes da posse. A previsão é de que a escolha dos nomes comece tão logo Dilma retorne da Coreia do Sul com o presidente Lula.

O primeiro bloco de nomes a ser anunciado será o da equipe econômica, onde a permanência de Guido Mantega na Fazenda é apontada por todos como uma possibilidade forte. Depois, ela tratará dos indicados do PT, do PMDB e do PSB. Em seguida, virão os demais partidos.

Do ponto de vista político, o anúncio dos principais nomes da área econômica em primeiro lugar tem a função de blindar esses postos da ambição dos aliados e acalmar o mercado. A presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, conta com total simpatia de Dilma Rousseff. O mesmo ocorre com o atual homem forte do Banco do Brasil, Aldemir Bendime. Luciano Coutinho, titular do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), pode ser deslocado, assim com Nelson Barbosa, secretário de Política Econômica da Fazenda, a quem Dilma tentou emplacar no início do ano como presidente do Banco Central.

Feito o anúncio da área econômica, Dilma cuidará dos espaços dos aliados. PT, PMDB e PSB formam hoje o que os fiéis escudeiros da futura presidente chamam de tripé da governabilidade. PT e PMDB são as maiores bancadas no Senado e na Câmara. O PSB, com seis governadores — o maior número da base aliada — ganhou a condição de terceira força. Isso porque, além de aliado histórico do PT, existe todo um trabalho de manter o partido próximo do Planalto. Assim seria mais fácil evitar que, ali, o senador eleito Aécio Neves (PSDB-MG) semeie o espaço de uma futura candidatura à Presidência contra o PT. Afinal, o presidente do PSB, Eduardo Campos, já convidou Aécio a ingressar no PSB há alguns anos e, ontem, o governador do Ceará, Cid Gomes, jogou o nome do senador eleito como uma possível aposta para presidir o Senado. A proposta não ganhou força imediata, mas todos consideram que foi dado o recado de que os socialistas podem escolher outro caminho se não forem protagonistas no projeto dilmista.

Férias
As três legendas já deflagraram as conversas com a equipe de Dilma. Na semana que vem, será a vez do PR, do PP e do PTB. A ex-ministra de Lula já avisou aos presidentes dos partidos aliados que, se forem tirar férias, aproveitem os dias em que ela estará fora do país acompanhando o presidente Lula no encontro do G-20, na Coreia do Sul. Ela retorna em 14 de novembro e já quer começar a acertar alguns passos. Primeiro, os cargos que caberão a cada um dos partidos. Depois, os nomes que passarão pelo controle de qualidade.

EFEITO ERENICE
A prioridade de Dilma Rousseff é evitar um novo dissabor. Ela não se esquece do desgaste que teve, e que para muitos determinou a realização de um segundo turno na eleição presidencial, com o tráfico de influência exercido por Israel Guerra. O filho de Erenice Guerra, sucessora de Dilma na Casa Civil, é suspeito de chefiar um esquema de favorecimento no acesso de empresários a verbas públicas. Não foi por acaso que, em sua primeira entrevista, Dilma falou em perfil técnico. É a melhor forma, segundo alguns, de afastar do primeiro escalão os maus políticos.

ANÁLISE DA NOTÍCIA

As pontes de Campos
Dilma Rousseff precisará não só de um bom ministério, como também de uma oposição menos raivosa e mais elegante, que lhe deixe respirar, pelo menos num primeiro momento. O presidente do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, trabalha nesse segundo projeto. Ele falou com o governador eleito do Paraná, Beto Richa (PSDB), e com o reeleito de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), a quem os socialistas apoiaram. Em Alagoas, Campos pediu votos para Teotônio na TV contra Ronaldo Lessa (PDT).

A ideia dessas conversas é aplacar o clima de ódio criado ao fim do processo eleitoral, com ataques de parte a parte. No Paraná, por exemplo, a eleição foi duríssima e Richa passou os últimos dias antes da vitória no primeiro turno tentando desmentir boatos espalhados pelo grupo do adversário Osmar Dias (PDT). Esses contatos atendem a dois senhores: Dilma, que passa a ter em Eduardo Campos um aliado leal, capaz de contactar os oposicionistas, e o próprio PSB. Afinal, no caso de no futuro naufragar a relação com o PT, os socialistas certamente não estarão sozinhos.

(Denise Rothenburg, Correio Braziliense)