O Executivo espera injetar R$ 10 milhões por ano no caixa. Em todo o DF, 1,9 milhão de pessoas e 90 mil empresas estão inadimplentes

Em busca de mais dinheiro no caixa e menos inadimplência no ano que vem, o Governo do Distrito Federal triplicou o prazo para o parcelamento de dívidas tributárias. Quem tiver com qualquer imposto atrasado, exceto Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), poderá quitar o débito em até 15 anos, a depender do valor pendente. Só fica de fora do benefício quem fez mais de dois reparcelamentos. O decreto que estabelece a medida está publicado no Diário Oficial do DF de hoje.

A Receita local calcula um montante de cerca de R$ 2 bilhões em dívidas, sem contar os débitos com ICMS. São 1,9 milhão de pessoas e 90 mil empresas que acumulam pendências com o governo. O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é o tributo com a maior quantidade de devedores: cerca de 20% do total. Em seguida, estão os que não pagaram em dia as taxas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Pessoas físicas e jurídicas podem parcelar débitos referentes até o ano passado. Não importa o valor da dívida. No entanto, as parcelas precisam respeitar um mínimo de R$ 74,97, definido pela Secretaria de Fazenda, para que os custos operacionais da transação valham a pena. Dessa forma, também fica limitado o número de parcelas. Este ano, o GDF ampliou de 60 meses para 180 meses o período máximo de pagamento.

O parcelamento, reforça o subsecretário da Receita do DF, Francisco Otávio Moreira, envolve qualquer débito tributário vencido, esteja ele ou não inscrito em dívida ativa. “Com exceção do ICMS”, sustentou ele. Outros exemplos de tributos que podem ter o pagamento diluído são a Taxa de Limpeza Pública (TLP), o Imposto sobre Serviços (ISS), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto de Transmissão Causa Mortis ou Doação de Bens e Direitos (ITCD).

O interessado no benefício deve ir a uma agência da Receita ou a um posto do Na Hora, com formulário preenchido e documentação necessária em mãos (veja Tira-dúvidas). Após pedir o parcelamento, o contribuinte tem de pagar, como sinal, 5% do total da dívida, no caso de primeiro reparcelamento. De acordo com o decreto assinado pelo governador Rogério Rosso, as parcelas serão atualizadas com base na inflação do período, além da incidência de juros de 1% ao mês.

Ao definir as parcelas, o contribuinte recebe um boleto para pagar o valor do sinal. Os carnês com as taxas mensais serão enviados para a casa ou para a empresa do solicitante. Com a medida, o governo espera arrecadar pelo menos 1% dos débitos acumulados, o que resultaria em R$ 1 milhão a mais aos cofres públicos apenas com o valor do sinal. “Esperar receber mais do que 10% do total da dívida é ser muito otimista”, comentou o subsecretário da Receita.

Moreira diz que o governo estima ainda um ganho anual de R$ 10 milhões com a redução da inadimplência. “Não estamos passando a mão na cabeça de ninguém. Até porque esses contribuintes não se livrarão dos juros. Pagarão bem mais caro por não terem acertado as contas em dia”, afirmou, antes de acrescentar que a intenção é ajudar quem não teve condições financeiras de respeitar os prazos estabelecidos. “A gente sabe que tem gente que não pode pagar.”

Arrecadação
Esta semana, o Correio mostrou com exclusividade que nos primeiros nove meses de 2010 o GDF arrecadou R$ 6,3 bilhões com receita tributária. O montante representa um aumento nominal de 13,3% em relação ao mesmo período do ano passado. Descontada a inflação dos últimos 12 meses, o salto na arrecadação tributária entre janeiro e setembro foi de 8%.

ICMS em duas vezes
» Outro decreto também publicado hoje no Diário Oficial do Distrito Federal autoriza o parcelamento, em duas vezes, do total de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) acumulado pelos varejistas locais em dezembro. O tributo geralmente é pago integralmente no dia 20 do mês subsequente. Com o benefício, os empresários poderão dividir o valor referente ao último mês do ano em janeiro e em fevereiro. O objetivo é estimular as vendas de fim do ano.

Tira-dúvidas
Como acertar as contas com o Fisco

Que débitos podem ser parcelados?
» Com exceção de valores referentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), qualquer dívida tributária: IPTU, IPVA, ITBI, ITCD, ISS, TLP. Ressalva: somente poderão ser parcelados débitos de anos anteriores ao pedido, ou seja, de 2009 para trás. Não tem direito ao benefício quem já acumula dois reparcelamentos com o governo.

Existe um valor mínimo para que a dívida seja parcelada?
» Não existe mínimo para o débito. Mas o valor de cada parcela não pode ser inferior a R$ 74,97, independentemente do tributo. Assim, consequentemente, fica também limitado o número de parcelas, que pode chegar a 180.

É oferecido algum tipo de desconto?
» Não, a vantagem é o parcelamento. O contribuinte terá de pagar de entrada 5% do total do débito, no caso do primeiro reparcelamento. Cada parcela sofre atualização pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), além da incidência de 1% de juros ao mês.

O que fazer para ter o benefício?

* É preciso ir a uma agência da Receita ou a um posto do Na Hora. De preferência, com duas vias em mãos do formulário do pedido de parcelamento preenchido. O documento consta no site da Secretaria de Fazenda (www.fazenda.df.gov.br). Há formulários à disposição nesses locais. Qual a documentação necessária (original e cópia)?

* Pessoa física: Carteira de Identidade, CPF e sentença judicial de inventário ou Certidão de Óbito (quando for o caso) do contribuinte

* Pessoa jurídica: ato constitutivo, última alteração contratual, certidão simplificada emitida pela Junta Comercial e CNPJ; Carteira de Identidade, CPF e prova da nomeação da condição de síndica (quando for o caso) do contribuinte

* Procuração: procuração pública ou particular com firma reconhecida em cartório do DF, Carteira de Identidade e CPF do contribuinte.

Palavra de especialista
Ação deseduca a população
“Ações como essa, em que o Estado tenta resolver suas pendências financeiras, têm se repetido ao longo dos anos em todo o país, não só no Distrito Federal. Serve para que o governo solucione um problema de caixa. Quando falta grana, dá-se um jeito de tentar estimular o pagamento das dívidas. Por um lado, o benefício regulariza a situação de pessoas físicas e jurídicas. Mas a principal questão envolve a educação fiscal. Esse tipo de refinanciamento deseduca a população. É uma afronta àqueles que pagam os impostos em dia. O Estado provoca a sensação de que o mau pagador, o grande beneficiário dessa história toda, sempre vai levar a melhor.”

José Matias Pereira, professor e pesquisador da pós-graduação dos departamentos de administração e contabilidade da Universidade de Brasília (UnB), especialista em finanças públicas

O povo fala
O que você acha de o governo facilitar a vida de quem não paga os impostos em dia?

Yandara Santos, 24 anos, estudante, moradora do Gama
“É uma boa. Infelizmente não é todo mundo que pode pagar no dia certo. E não paga não é porque não quer, é porque não tem dinheiro. Ficar em dia com as contas é o que interessa. Não importa em quanto tempo a pessoa vai pagar. O importante é que pague.”

Fernanda Mesquita, 28 anos, publicitária, moradora de Taguatinga
“Não acho nada legal isso. Então quer dizer que é melhor atrasar o imposto do que pagar em dia? O inadimplente vai ganhar mais benefício sempre? É uma medida muito contraditória. O governo tem é que incentivar o pagamento na data correta.”

José Alves da Silva, 49 anos, motorista de ônibus, morador de Planaltina (GO)
“Tem que analisar cada caso. Existem aquelas pessoas malandras que não pagam no dia correto porque sonegam imposto mesmo. Mas tem que pensar também naquela gente que não paga porque simplesmente não tem condições de pagar e precisa de ajuda.”

Paula Cristina Alves, 26 anos, estudante, moradora de São Sebastião
“Ao mesmo tempo em que o governo ajuda quem está devendo, ele acaba incentivando a inadimplência quando faz esses parcelamentos, ainda que essa não seja a intenção. O pior é que quem paga as contas em dia não costuma ganhar nada de benefício.”

Clênio Pedrotti, 52 anos, representante comercial, morador de Formosa (GO)
“É uma maneira válida de arrecadar de quem não pagou em dia. Para o overno, é melhor do que ficar sem ter aquele imposto atrasado. Causa uma sensação estranha para quem paga em dia. Mas é assim em todo lugar. Se você cria dívidas em uma loja, por exemplo, ela faz de tudo para você pagar.”

Aparecido Pereira, 54 anos, advogado, morador de Sete Lagoas (MG)
“Quando o Governo do DF ou de qualquer outro lugar toma uma medida dessas, ele quer arrecadar. Está no direito dele. O que ele ganhar com isso vai ser lucro. Mas certamente não faz o parcelamento porque é bonzinho com quem não pagou, é porque sabe que sem dinheiro a máquina não funciona.”

(Diego Amorim, Correio Braziliense)